sábado, 13 de junho de 2015

QUANDO A CRISE APERTA...

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Quando a crise aperta, muitos começam a falar na necessidade de um acordo nacional. Acordo nada tem a ver com uma política de unanimidade, nem de superação das bandeiras partidárias ou opções ideológicas. A dependência externa e a exclusão de milhões de brasileiros promovida pelo mercado de trabalho estouram como responsáveis diretos pelo turbulento quadro que se apresenta em nossa realidade. Analistas sustentam que a política de juros altos deixou o País vulnerável e à mercê dos especuladores, tornando difícil a sobrevivência do Brasil como nação soberana e independente. Todos sabem que a globalização é irreversível, mas dentro dela existem ‘‘ilhas de poder’’ que sufocam os desprotegidos historicamente. Qualquer projeto de desenvolvimento hoje passa por uma ruptura, não com a modernidade, mas com o sistema de dominação mundial, agora mais impiedoso com o surgimento do sistema financeiro virtual. O Brasil tem tudo para oferecer perspectivas de vida digna a seu povo. Fugir ao jogo dos mercados especulativos depende de vontade política. Neste sentido, todos sentem que a crise atual tem de ser vencida. E a condição básica para levantar o Brasil é a união de todas as forças, unindo políticos, governantes, movimentos sociais e instituições de todos os tipos. Não é fácil livrar-se da dependência externa e do capitalismo frágil, quando exercidos sob a tutela mandonista. 

Internamente, o governo, em todos os níveis – federal, estadual e municipal –, deveria funcionar como um sistema de redistribuição, tirando de quem tem mais (através dos impostos) para atender aos que têm menos. Na prática, a atuação dos poderes públicos no Brasil funciona ao contrário, tirando dos que têm menos para entregar aos que têm mais. O amor da Justiça não será melhor se continuar o mesmo sistema que privilegia os chamados ‘‘homens de mil’’, isto é, os ricos e poderosos, como dizia Oliveira Viana. Bem que Silveira Martins, nos idos de 1876, deixou claro: ‘‘Os tribunais superiores que se alimentaram do viveiro da inferior instância – é vergonha, mas é força dizê-lo – são o asilo da ignorância’’. 

Para efeito didático, podemos organizar as discussões sobre a economia brasileira a partir de algumas palavras-chave, que se alternam e se repetem ao longo do tempo. Dívida externa, dívida interna, globalização, câmbio, abertura econômica, protecionismo, taxas de juros, déficit e política tributária, entre outros, são termos persistentes, com maior ou menor intensidade conforme a época. O que caracteriza o atual momento, tido e havido como mais uma beira de abismo, é a alta concentração dessas palavras-chave. A atual política econômica e financeira cuida de maneira especial de estabilizar as reservas brasileiras através de dois instrumentos: as elevadas taxas de juros e a taxa de câmbio, que beneficiam ambas os investidores externos e penitenciam os setores produtivos nacionais, com alguma ressalva em favor dos poucos que têm capacidade de exportar. Nem só de grandes shoppings ou fábricas de automóveis vive a economia brasileira. As costureiras, as doceiras, os eletricistas, os pintores de paredes e tantos outros que se ‘‘viram’’ neste País formam o PIB da sobrevivência, invisível nas planilhas oficiais. Mesmo assim, é perverso acreditar que o País não tem problema de escassez de emprego, mas simplesmente ‘‘sofre da baixa qualidade na ocupação’’. Ao acreditar nessa tese, nossos ‘gestores’ parecem estar cuidando apenas de qualificação de desempregados, porém sem gerar novos postos de trabalho com salários dignos. 

Para atacar o desemprego estrutural, é preciso fazer as reformas clássicas do capitalismo contemporâneo: reforma agrária, para viabilizar a vida das pessoas no campo, considerando também a degradação da vida nas cidades médias e grandes; reforma tributária para melhorar o perfil de renda e reduzir a concentração de renda no País. Isto é difícil, pois significa tributar mais as camadas ricas da população. Todos sabem que os impostos pesam mais sobre os assalariados, que são descontados na fonte. Em termos progressistas, precisamos de uma ampla reforma social, ou seja, estimular cada vez mais o Estado a prestar efetiva assistência a milhões de brasileiros, principalmente os pobres e carentes, no campo da saúde, da educação, da cultura, além de proporcionar melhorias significativas na prestação dos demais serviços públicos. É muito preocupante para quem torce pelo sucesso da coletividade brasileira verificar a existência de circuitos mesquinhos que desprezam a Bolsa Família porque ainda não aceitaram a Lei Áurea. No Brasil, os viúvos do escravismo se aglutinam em multidões. Como diz a música: eles são muitos, mas não podem voar. Mas vociferam quando se veem na rabeira da História.

Se a boa-consciência brasileira não se dispor a trabalhar, sem discriminações, para o desenvolvimento coletivo da vida em plenitude, razão de sobra continuará tendo o discurso de Maria da Fé. A notável personagem do livro Viva o povo brasileiro (1984), escrito por João Ubaldo Ribeiro, ao ser julgada por um tenente do exército como bandida, assim responde: “Como queria o senhor que um povo conservado na mais profunda ignorância pudesse compreender que não é a República a responsável por tudo de mau que lhe vem acontecendo? Se tudo piora, se a miséria aumenta, se a opressão se faz sempre mais insuportável, se a fome e a falta de terras são o destino de cada dia, enquanto os senhores salvam a Nação na Capital, escrevendo leis para favorecer a quem sempre foi favorecido? Se nada deve o povo à Monarquia, menos ainda deve à República. Que nos dá República? Manda o seu exército para nos matar. Se não nos rebelássemos, que nos mandaria? Mandaria a fome para nos matar”. 


* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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