terça-feira, 2 de junho de 2015

MARKETING E ÉTICA

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Marketing e ética combinam? De todas as atividades empresariais, o marketing é a de maior visibilidade e, por isso, a mais sujeita a questionamentos de ordem ética. Esmiuçando melhor essa matéria, André Cauduro D’Angelo, em “A ética no marketing” (Revista de Administração Contemporânea, out./dez. 2003), destaca a existência de um percurso bifurcado por onde transita a discussão envolvendo princípios morais no mundo da mercadologia: “Existem basicamente duas categorias de questionamentos éticos em relação ao marketing: a primeira, ligada às características do sistema capitalista, diz respeito ao presumível estímulo materialista despertado pelo marketing; a segunda, de caráter mais prático, enfoca atividades de marketing como precificação, propaganda e vendas”.

Em linhas gerais, compreende-se a ética nos negócios como o padrão de conduta e de moral vigentes no meio empresarial, permitindo a distinção entre o certo e o errado, o aceitável e o inaceitável. Na prática, nem sempre é fácil separar o joio do trigo. Paira uma sombra nebulosa no ar, biblicamente já destacada: “Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviariam da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1Tm 6.9-10). Certo, portanto, é que o marketing convive, desde tempos remotos, com a crítica, a desconfiança e a dúvida quanto à validade ética e moral de seus princípios e práticas. Dentro do sistema capitalista, essa discussão ganhou maior vulto, uma vez que ao marketing ficou atrelada popularmente a alcunha de instituição da sociedade de consumo, facilmente relacionada às atividades de venda e frequentemente confundida com a propaganda pura e simples.

Importante apurar o marketing dentro de princípios morais, haja vista que o exercício da ética está diretamente relacionado com a defesa da cidadania. São de grande importância em qualquer cenário de relações comerciais, institucionais e pessoais o respeito, a responsabilidade, a transparência, a veracidade, o compromisso. Por meio do marketing, as relações de troca, fato social por excelência, ganha sentido econômico, interferindo diretamente nos juízos de valor que orientam a formação dos patrimônios material e imaterial. Pelos caminhos da ética, qualifica-se o processo de planejamento e execução da concepção, do preço, da promoção e da distribuição de ideais, mercadorias e serviços para criar trocas que satisfaçam os objetivos individuais e das organizações.

A cobrança social a respeito da ética nos negócios aspira uma nova ordem moral. Somente quando o ser humano for livre para escolher, quando deixar de ser alienado, e for tratado como fim e não como meio, é que poderemos dizer que estabelecemos uma nova ordem moral. Isto quer dizer, conforme pontua Elizete Passos, em Ética nas organizações (2011): “a substituição de critérios externos por internos, pela escolha responsável, que é, sem dúvida, o paradigma ético mais eficaz para se assegurar a convivência pacífica entre os indivíduos e reconhecer os contrários”.

Com a conscientização política e democrática se espalhando socialmente, incluindo também uma maior abertura e pluralidade ideológica na mídia, o marketing passou por reformulações importantes, sendo convocado a assumir publicamente responsabilidades econômicas, sociais e ambientes. Para além da tradicional dimensão do lucro, empresas só conhecem reconhecimento positivo frente à opinião pública, quando colaboram decisivamente para a promoção do desenvolvimento sustentável. A respeito, o estudioso do marketing, Philippe Kotler, em Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano (2010), observa, com otimismo, que: “Em suma, a era do marketing 3.0 é aquela em que as práticas de marketing são muito influenciadas pelas mudanças no comportamento e nas atitudes do consumidor. É a forma mais sofisticada da era centrada no consumidor, em que o consumidor demanda abordagens de marketing mais colaborativas, culturais e espirituais”.

Mesmo considerando a positiva mudança de rota na atuação mercadológica, cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Deve-se evitar a “Síndrome de Poliana” (personagem otimista de Eleanor H. Porter que só enxergava tudo “cor de rosa”). A concentração de riqueza no mundo poderá se radicalizar ainda mais se governos, sociedades e os organismos financeiros multilaterais não adotarem ou reforçarem suas políticas de distribuição de renda. Um relatório divulgado pela Oxfam International, organização não-governamental britânica voltada ao combate à pobreza no mundo, aponta que, em 2016, o grupo com 1% das pessoas mais ricas do planeta vai superar as posses dos 99% mais pobres. Entre as razões da concentração de riqueza, o relatório destaca os setores econômicos que têm contribuído para esse estado que espelha a injustiça social. Segundo dados da Forbes (março de 2014), 20% dessas pessoas estão vinculadas ao setor financeiro e de seguros, que constituem a origem de riqueza mais habitual.

Cenários desiguais dessa natureza confirmam a prática frequente do marketing predatório, criticado, com primor artístico, pelo músico Tom Zé, no antológico álbum Com defeito de fabricação (1998): “Filha da prática/Filha da tática/Filha da máquina/Essa gruta sem-vergonha/Na entranha/Não estranha nada/Meta sua grandeza/No Banco da esquina/Vá tomar no Verbo/Seu filho da letra/Meta sua usura/Na multinacional/Vá tomar na virgem/Seu filho da cruz/Meta sua moral/Regras e regulamentos/Escritórios e gravatas/Sua sessão solene/Pegue, junte tudo/Passe vaselina/Enfie, soque, meta/No tanque de gasolina”.


* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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