Marcos Fabrício Lopes da Silva*
Marketing e ética combinam? De
todas as atividades empresariais, o marketing
é a de maior visibilidade e, por isso, a mais sujeita a questionamentos de
ordem ética. Esmiuçando melhor essa matéria, André Cauduro D’Angelo, em “A
ética no marketing” (Revista de Administração Contemporânea, out./dez.
2003), destaca a existência de um percurso bifurcado por onde transita a
discussão envolvendo princípios morais no mundo da mercadologia: “Existem
basicamente duas categorias de questionamentos éticos em relação ao marketing: a primeira, ligada às
características do sistema capitalista, diz respeito ao presumível estímulo
materialista despertado pelo marketing;
a segunda, de caráter mais prático, enfoca atividades de marketing como precificação, propaganda e vendas”.
Em linhas gerais, compreende-se a ética nos
negócios como o padrão de conduta e de moral vigentes no meio empresarial,
permitindo a distinção entre o certo e o errado, o aceitável e o inaceitável.
Na prática, nem sempre é fácil separar o joio do trigo. Paira uma sombra
nebulosa no ar, biblicamente já destacada: “Ora, os que querem ficar ricos caem
em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as
quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de
todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviariam da fé e a si mesmos se
atormentaram com muitas dores” (1Tm 6.9-10). Certo, portanto, é que o marketing convive, desde tempos remotos,
com a crítica, a desconfiança e a dúvida quanto à validade ética e moral de
seus princípios e práticas. Dentro do sistema capitalista, essa discussão
ganhou maior vulto, uma vez que ao marketing
ficou atrelada popularmente a alcunha de instituição da sociedade de consumo,
facilmente relacionada às atividades de venda e frequentemente confundida com a
propaganda pura e simples.
Importante apurar o marketing dentro de princípios morais, haja vista que o exercício
da ética está diretamente relacionado com a defesa da cidadania. São de grande
importância em qualquer cenário de relações comerciais, institucionais e
pessoais o respeito, a responsabilidade, a transparência, a veracidade, o
compromisso. Por meio do marketing,
as relações de troca, fato social por excelência, ganha sentido econômico,
interferindo diretamente nos juízos de valor que orientam a formação dos
patrimônios material e imaterial. Pelos caminhos da ética, qualifica-se o
processo de planejamento e execução da concepção, do preço, da promoção e da
distribuição de ideais, mercadorias e serviços para criar trocas que satisfaçam
os objetivos individuais e das organizações.
A cobrança social a respeito da ética nos
negócios aspira uma nova ordem moral. Somente quando o ser humano for livre
para escolher, quando deixar de ser alienado, e for tratado como fim e não como
meio, é que poderemos dizer que estabelecemos uma nova ordem moral. Isto quer
dizer, conforme pontua Elizete Passos, em Ética
nas organizações (2011): “a substituição de critérios externos por
internos, pela escolha responsável, que é, sem dúvida, o paradigma ético mais
eficaz para se assegurar a convivência pacífica entre os indivíduos e
reconhecer os contrários”.
Com a conscientização política e democrática se
espalhando socialmente, incluindo também uma maior abertura e pluralidade
ideológica na mídia, o marketing
passou por reformulações importantes, sendo convocado a assumir publicamente
responsabilidades econômicas, sociais e ambientes. Para além da tradicional
dimensão do lucro, empresas só conhecem reconhecimento positivo frente à
opinião pública, quando colaboram decisivamente para a promoção do
desenvolvimento sustentável. A respeito, o estudioso do marketing, Philippe Kotler, em Marketing
3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano
(2010), observa, com otimismo, que: “Em suma, a era do marketing 3.0 é aquela em que as práticas de marketing são muito influenciadas pelas mudanças no comportamento e
nas atitudes do consumidor. É a forma mais sofisticada da era centrada no
consumidor, em que o consumidor demanda abordagens de marketing mais colaborativas, culturais e espirituais”.
Mesmo considerando a positiva mudança de rota na
atuação mercadológica, cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
Deve-se evitar a “Síndrome de Poliana” (personagem otimista de Eleanor H.
Porter que só enxergava tudo “cor de rosa”). A concentração de riqueza no mundo
poderá se radicalizar ainda mais se governos, sociedades e os organismos
financeiros multilaterais não adotarem ou reforçarem suas políticas de
distribuição de renda. Um relatório divulgado pela Oxfam International, organização não-governamental britânica
voltada ao combate à pobreza no mundo, aponta que, em 2016, o grupo com 1% das
pessoas mais ricas do planeta vai superar as posses dos 99% mais pobres. Entre
as razões da concentração de riqueza, o relatório destaca os setores econômicos
que têm contribuído para esse estado que espelha a injustiça social. Segundo
dados da Forbes (março de 2014), 20%
dessas pessoas estão vinculadas ao setor financeiro e de seguros, que
constituem a origem de riqueza mais habitual.
Cenários desiguais dessa natureza confirmam a
prática frequente do marketing
predatório, criticado, com primor artístico, pelo músico Tom Zé, no antológico
álbum Com defeito de fabricação
(1998): “Filha da prática/Filha da tática/Filha da máquina/Essa gruta
sem-vergonha/Na entranha/Não estranha nada/Meta sua grandeza/No Banco da
esquina/Vá tomar no Verbo/Seu filho da letra/Meta sua usura/Na multinacional/Vá
tomar na virgem/Seu filho da cruz/Meta sua moral/Regras e
regulamentos/Escritórios e gravatas/Sua sessão solene/Pegue, junte tudo/Passe
vaselina/Enfie, soque, meta/No tanque de gasolina”.
*
Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em
Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
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