Marcos Fabrício Lopes da Silva*
“Um país se faz com homens e livros”. Infelizmente,
Monteiro Lobato não está sendo escutado. Segundo números presentes no Censo
Escolar 2013, 65% das unidades de ensino do país, públicas e privadas, não têm
bibliotecas. Desde 2010, quando entrou em vigor a Lei 12.244 – que obriga todos
os gestores a providenciar, até 2020, espaços estruturados de leitura em suas
unidades educacionais –, a situação praticamente não evoluiu. Naquele ano, só
33,1% das escolas tinham bibliotecas; em 2013, eram 35%. Esse estado de
calamidade pública se agrava com a seguinte distorção de valores: segundo
destaca Frei Betto, no artigo “Do mundo virtual ao espiritual” (Estado de Minas, 05/06/2008), "uma
próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma
academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três
livrarias!". Diante dessa ‘zorra total’, pergunto, inspirado nas palavras de
Machado de Assis, mestre de nossas letras: “Pobre espírito! Quem pensa em ti,
nessa dança macabra de coisas sólidas? Quem oferece alguma coisa ao paladar dos
delicados, não corrompido pelo angu do vulgo?” (Notas Semanais, de 01/09/1878).
Assim, o Brasil ainda está longe de ser uma nação
de cidadãos leitores e há muito chão pela frente até que se chegue lá. Conforme
destaca o importante volume Retratos da leitura
no Brasil (2008), são 95 milhões de leitores e 77 milhões de não-leitores. A
média nacional de leitura, por pessoa, corresponde a 4,7 livros por ano. Número
de livros comprados: 1,2 livro por habitante/ano. A pálida estatística mostra uma preocupante apatia frente à importância significativa da leitura
e da escrita. A respeito, faz-se relevante notar o aspecto utilitário: a gente
lê para se informar, para saber das coisas. De outra parte, temos o aspecto
simbólico que, em parte, deriva do aspecto utilitário. Lendo, adquirimos saber;
ora, saber é poder, e essa verdade se afirma dia a dia no tipo de sociedade em que
vivemos, uma sociedade em que a informação é decisiva.
Dói saber que temos um grande déficit no número
de livrarias no país. O Brasil possui apenas 3.095 livrarias, o que representa,
em média, uma para cada 64.954 habitantes, de acordo com a Associação Nacional
de Livrarias (ANL). Do total, 55% estão na região Sudeste, 19% no Sul, 16% no Nordeste, 6% no Centro-Oeste (incluindo o Distrito Federal) e 4% no Norte, conforme pesquisa da instituição sobre a localização desses espaços comerciais no país. A
média brasileira é inferior à recomendada pela Unesco, que é de 1 livraria para
cada 10 mil pessoas, segundo Ednilson Xavier, presidente da ANL. Para ele, a
concentração nas regiões Sudeste e Sul, que chega a 74%, reflete a má
distribuição de cultura no país.
Acolher a leitura como exercício supremo de vitalidade possibilita experimentar "o prazer do texto", conforme salienta Roland Barthes. Leitura informa, leitura
emociona, leitura é coisa prazerosa. Há um aspecto lúdico no ato de escrever,
na escolha das palavras que construirão o nosso relato; e esse prazer de uma
forma ou de outra chega ao leitor. Por isso, em se tratando de formação e
consolidação do público leitor, é melhor apresentar a leitura como um convite
amável, não como uma tarefa, como uma obrigação que, ao fim e ao cabo, solapam
o próprio simbolismo da leitura, transformada num trabalho árido quando não
penoso. A casa da leitura tem muitas portas, e a porta do prazer é das mais
largas e acolhedoras.
A leitura proporciona também um vínculo
emocional, inclusive com o autor – não por outra razão Baudelaire considera o
leitor “mon semblable, mon frère” (meu semelhante, meu irmão). E o escritor precisa ser lido, o que explica o transbordante
apelo da poeta Edna St.Vincent Milay: “Read
me, do not let me die” (leia-me, não me deixe morrer). Em torno do ritual
de leitura, os leitores, mesmo distantes no tempo e no espaço, formam uma
família, uma verdadeira irmandade. Irmandade que simboliza aquilo que a
humanidade tem de melhor. Salutar compreender a irmandade em questão como belo
exemplo de rede de sociabilidade, considerando a teia de conteúdos nela compartilhados,
tendo em vista a promoção da “era da inteligência conectada”, termo cunhado
pelo consultor de tecnologia da informação, Don Tapscott.
É inadmissível que, em termos de política pública
de incentivo à leitura, o sistema de disponibilização do conhecimento, via
bibliotecas e livrarias, não canalize seu empenho no perfil de usuário da
informação adquirida. Urge contemplar e remediar, com eficiência e eficácia, a
problemática conjuntura nacional – escolas do século 19, professores com
recursos do século 20 e alunos conectados tecnologicamente com o século 21. Cabe
ressaltar que as bibliotecas e as livrarias, como centrais de democratização do
conhecimento, apresentam papel cultural estratégico na disponibilização pública
de acervos impressos e digitais.
A ideia de uma Sociedade da Informação ou do
Conhecimento, ou ainda, da Educação, é um conceito antigo e constantemente
renovado no desenvolvimento da humanidade, desde aqueles que pretenderam fazer
a súmula dos conhecimentos na coleção da Biblioteca de Alexandria, passando
pelos ardores e mentores do Renascimento e pela criação de universidades no fim
da Idade Média, continuando nos ideias democratizantes e racionalistas dos
Enciclopedistas até a chegada da Internet e da Web. No fundo da questão, o que
se coloca, como desafio brasileiro, é viabilizar a comunicação de conteúdos ou
saberes entre indivíduos, numa forma de compartilhamento mais aberta e
acessível do que nunca.
* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e
doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.