Marcos
Fabrício Lopes da Silva*
Entre todas as mudanças operadas no bojo do
processo de desregulamentação laboral, cumpre ressaltar o mecanismo da
terceirização por significar um rompimento de toda a política protecionista que
justificou a criação do Direito do Trabalho, sob viés eminentemente voltado
para a proteção social. Terceirização significa a presença de um intermediário
na relação entre o trabalho e a empresa, que lhe aproveita a força de trabalho.
Esse intermediário não utiliza a força de trabalho para produzir bens ou serviços.
Não se serve dela como valor de uso, mas como valor de troca. Não a consome:
subloca-a. O que consome é o próprio trabalhador, na medida em que o utiliza
como veículo para ganhar na troca. Em outras palavras, o mercador de homens os
utiliza tal como o fabricante usa seus produtos e como todos nós usamos o
dinheiro. Usa o trabalho como mercadoria, a mesma mercadoria que, ao vender,
faz alarde de suas vicissitudes e, ao comprar, a deprecia, ofertando baixos
salários.
Em linhas gerais, a terceirização é o fenômeno através do qual uma empresa contrata um trabalhador para prestar seus serviços a uma segunda empresa – tomadora. A tomadora se beneficia da mão-de-obra, mas não cria vínculo de emprego com o trabalhador, pois a empresa-contratante é colocada entre ambos. Do ponto de vista econômico, pela terceirização, as empresas procuram otimizar seus lucros pelo crescimento da produtividade, pelo desenvolvimento de produtos com maior valor agregado – com maior tecnologia – ou ainda devido à especialização dos serviços ou da produção. Buscam, como estratégia central, otimizar seus lucros e reduzir preços, em especial, por meio de baixíssimos salários, altas jornadas e pouco ou nenhum investimento em melhoria das condições de trabalho, que passam a ser de responsabilidade da subcontratada. Do ponto de vista social, a grande maioria dos terceirizados é desrespeitada, criando a figura de um “trabalhador de segunda classe” com destaque para as questões relacionadas à vida dos trabalhadores, aos golpes das empresas – que fecham do dia para a noite e não pagam as verbas rescisórias aos seus trabalhadores empregados – e às altas e extenuantes jornadas de trabalho.
As empresas terceirizadas abrigam as populações
mais vulneráveis do mercado de trabalho: mulheres, negros, jovens, migrantes e
imigrantes. Esse “abrigo” não tem caráter social, mas é justamente porque esses
trabalhadores se encontram em situação mais desfavorável e, por falta de opção,
submetem-se a esse emprego. Não é verdade que a terceirização gera emprego.
Esses empregos teriam que existir para a produção e realização dos serviços
necessários à grande empresa. A empresa terceira gera trabalho precário e,
pior, com jornadas maiores e ritmo de trabalho exaustivo, acaba, na verdade,
por reduzir o número de postos de trabalho. A respeito, o senador Paulo Paim (PT-SP),
no artigo “Olhos desumanos” (Correio
Braziliense, 15/05/2015), adverte com veemência: “é inadmissível que
direitos trabalhistas e previdenciários sejam alvo de ataques. As medidas
provisórias nº 664 e nº 665 estão aí. Nesse conjunto está inserida a não menos
perversa terceirização, que, como eu tenho dito, equivale à revogação da Lei
Áurea. Algo desumano. Nesse cenário de fragilidade para os trabalhadores, a
corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Respeito as posições contrárias. Mas
não concordo”.
Os trabalhadores pagam ainda um outro preço pela
terceirização. Ao se fragmentar, a empresa também fragmenta o universo
trabalhista; mas, ao se recompor, formando a rede, não o recompõe. Os
terceirizados não se integram aos trabalhadores permanentes. Como contexto
histórico do processo de terceirização, encontra-se a tese da flexibilidade dos
direitos sociais que tem dimensões e desdobramentos mais profundos. É temerário
reduzir a crise do Estado Social a um contexto exclusivamente fiscal ou
administrativo. Ela é, antes de tudo, uma crise de déficit de cidadania e de
democracia. Uma sociedade justa é aquela em que todos têm garantido seu direito
ao trabalho, vivem do seu trabalho e não exploram o trabalho alheio. É, antes
de tudo, uma sociedade do trabalho, em que a categoria trabalho se estende e se
universaliza.
Quando o senador Paulo Paim alertou que a
terceirização se coloca como uma neoescravidão,
deve-se compreender que esse mecanismo coloca o trabalho em função do capital. Porém,
o caminho de valorização trabalhista sugere outro rumo: privilegiar o direito
ao trabalho, pois esta estrutura reconhece no trabalho o responsável pela
criação de todas as riquezas, materiais e espirituais, da sociedade. Gonzaguinha,
em Um homem também chora (1983), já
chamava atenção para o papel fundamental do trabalho: “Um
homem se humilha/Se castram seu sonho/Seu sonho é sua vida/E vida é trabalho/E
sem o seu trabalho/O homem não tem honra/E sem a sua honra/Se morre, se mata”.
A terceirização faz
parte de um conjunto de medidas que visam a adequar a forma do Estado ao
processo de globalização neoliberal. Para tanto, preconiza-se o enxugamento da
máquina pública por meio da “privataria”, da abertura sem critério do mercado,
da desregulamentação das relações trabalhistas por meio de contratações
temporárias, da flexibilização de direitos trabalhistas, objetivando chegar ao
que se convencionou chamar de Estado enxuto e reproduzindo, assim, a lógica
predatória do capitalismo da época do laissez
faire. Considerar o trabalhador como mercadoria, portanto, representa um grave
retrocesso histórico, deteriorando sua condição digna de “homem social”.
*
Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em
Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
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