Marcos Fabrício Lopes
da Silva*
Atribuiu-se a Albert
Einstein a definição de insanidade como sendo fazer a mesma coisa várias vezes
e esperar resultados diferentes. Os meios de comunicação são insanos. Estamos
submersos numa torrente de comunicações e, no entanto, muita gente se lamenta
da falta de comunicação. Os cidadãos olham a televisão, lêem os jornais,
escutam o rádio, mas se escutam, têm a impressão de não serem escutados.
Realmente os meios de
comunicação não escutam. Eles no máximo medem audiências e vendagens, sondam
tendências mercadológicas, mas passam longe das opiniões. A comunicação se
constitui um elemento de poder e dominação na medida em que ocupa o espaço
público e se impõe sobre ele. É o período de consolidação do espaço público
moderno, um conceito associado aos meios de comunicação. Eles recriaram o
espaço público emblematizado na Antiguidade pela Ágora grega, forjando novos
atores, mas, ao mesmo tempo, estabelecendo os seus novos limites. São eles, os
meios de comunicação, que organizam e desorganizam o espaço público.
Tomemos como ponto de
partida histórico para chegar a esse raciocínio as cidades da Europa ocidental
do início do século 18. A burguesia ascendente – e sua parte mais
intelectualizada – defende o princípio da publicidade nas coisas públicas em
oposição à prática do segredo, característica do estado monárquico. Estava se
formando o público. No sentido de indivíduos que se reúnem para falar e ouvir.
A burguesia começa a estabelecer um espaço de mediação entre a sociedade civil
e o Estado. O discurso crítico e racional sobre economia política passa a gerar
um fenômeno até então desconhecido: o surgimento de uma opinião pública com
força suficiente para influir na administração geral dos povos.
Surge uma esfera
pública ampliada pelos meios de comunicação que, ao mesmo tempo, a dinamizam e
a atrofiam. Primeiro, colocando-se como mediadores entre os cidadãos – entre os
emissores e os receptores das mensagens – recortando a cidade e o mundo de
acordo com os seus interesses e idiossincrasias. Passa-se da comunicação direta
à comunicação mediatizada. E quase simultaneamente, dentro da lógica da
acumulação capitalista, o espaço público se atrofia com a consolidação dos
monopólios e oligopólios comunicacionais.
Num primeiro momento
dinamiza-se o processo, com novas fronteiras e novos participantes, para logo
em seguida atrofiá-lo com a lenta destruição do espaço de troca, existente até
então tanto nos debates orais quanto na diversificação ideológica dos jornais,
porta-vozes de partidos e grupos. Fecha-se o espaço da discussão. O público se
transforma em massa. Massa receptora das mensagens veiculadas pelos meios de
comunicação e excluída do debate.
Para conquistar e
garantir o controle de corações e mentes a mídia penetra em todos os poros da
sociedade. Aproveita-se das deficiências de parte do serviço público para se
arvorar em canal de denúncias pontuais e raramente contextualizadas.
Transforma-se em um simulacro de ouvidoria, sensacionalizando e espetacularizando
a miséria. Amplia o descrédito no Estado, mostrando insuficiências que existem
sem apontar caminhos e soluções. Em análise com relação ao tema, o historiador
José Murilo de Carvalho, no artigo “Uma democracia de duas caras” (O Estado de São Paulo, de 23/07/2006),
afirma que há uma distinção argumentativa a respeito de vários assuntos
políticos: enquanto a opinião pública se revela como sendo esclarecida e
crítica, protagonizada, por sua vez, por uma pequena parte da população, a
opinião nacional, em seu turno, é composta por uma grande maioria que se
encontra no reino da necessidade, pouco crítica e mal informada dos fatos.
Como os meios de
comunicação podem colaborar para a instrução da opinião nacional para que esta
ingresse ativamente a fileira dos agentes da opinião pública esclarecida? Nos Anais do 2º. Encontro Regional de Ouvidoras
Públicas (2006), o jornalista, sociólogo e professor da Escola de
Comunicação e Artes da USP, Laurindo Lalo Leal Filho, defende a seguinte medida
saneadora: “A comunicação é fator chave para o exercício da cidadania. Cabe a
ela oferecer os instrumentos necessários para que o cidadão exerça, com
plenitude, todos os seus direitos numa sociedade democrática. Nesse sentido a
comunicação deve ser vista, antes e acima de tudo, como um serviço público,
voltado para atender essa necessidade básica da vida moderna que é a
informação. Sem ela, ou com ela sendo ofertada de forma reduzida – ou o que é
pior, de maneira distorcida – o grau de cidadania rebaixa-se ou é totalmente
anulado. Surgem assim os cidadãos de primeira e segunda classe”.
Os jornais, insanos em
sua grande parte, estão deixando de promover sujeitos racionais para domesticar
inteligências, como se o público fosse “gente de estimação”, como destaca Pedro
Bandeira, um dos nossos maiores escritores de literatura infantil. Para quem
tem olhos de ver, a linha editorial de um noticiário insano tem suas fraturas
bem expostas na canção-denúncia Jornal da
Morte (1961), composta por Miguel Gustavo e imortalizada na voz de Roberto
Silva: "Veja só esse jornal, é o maior hospital/Porta voz do bang-bang e da polícia central/Tresloucada, seminua, jogou-se do oitavo andar/Porque o noivo não comprava maconha pra ela fumar./Um escândalo amoroso com os retratos do casal/Um bicheiro assassinado em decúbito dorsal/Cada página é um grito, um homem caiu no mangue/Falta alguém espremer o jornal para sair/Sangue, sangue, sangue".
Vivemos, ainda, à sombra dos piores momentos midiáticos em termos de qualidade, com a programação - em geral - descambando para o desrespeito à dignidade humana. As violações aos direitos humanos são vistas no auditório e no jornalismo sensacionalista. Faltam à mídia princípios básicos da conduta ética: fazer o bem e evitar o mal, querer positivamente o bem dos outros como se quer o próprio bem e não querer um fim bem empregando meios maus. A moral que é a arte de viver bem, é também a arte de conjugar bens e deveres.
*
Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta
e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG
Vivemos, ainda, à sombra dos piores momentos midiáticos em termos de qualidade, com a programação - em geral - descambando para o desrespeito à dignidade humana. As violações aos direitos humanos são vistas no auditório e no jornalismo sensacionalista. Faltam à mídia princípios básicos da conduta ética: fazer o bem e evitar o mal, querer positivamente o bem dos outros como se quer o próprio bem e não querer um fim bem empregando meios maus. A moral que é a arte de viver bem, é também a arte de conjugar bens e deveres.