quarta-feira, 30 de setembro de 2015

RAÍZES DO PARLASHOPPING

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Arremedos de fausto e luxo são exercitados no Brasil desde os tempos coloniais. No livro Tratados da Terra e Gente do Brasil, alerta o padre Fernão Cardim, visitante de Pernambuco, em 1582, onde já se ensaiava uma sociedade florescente, viva e ávida de diversões, funções e espetáculos, tudo com muito luxo e ruído: “Vestem-se homens e mulheres e filhos de toda sorte de veludo, damasco e outras sedas, e nisto têm grandes excessos. As mulheres são muito senhoras e não muito devotas; os homens são tão briosos que compram ginetes de 200 e 300 cruzados; e alguns têm três, quatro cavalos de preço: e os guiões e selas dos cavalos eram das mesmas sedas de que iam vestidos. São sobretudo dados a banquetes, e gastam quanto têm: Enfim em Pernambuco se acha mais vaidade que em Lisboa”.

O ócio desprezível, a ostentação descontrolada e a vulgaridade desenfreada também tomaram conta do modus vivendi brasileiro, durante o Império. Machado de Assis lamentava o fato de, na programação cultural, predominar espaço para atrações vulgares e medíocres. Em crônica publicada no jornal O Cruzeiro, de 01/09/1878, o notável folhetinista protestava: “Talvez o leitor lastime não ver em toda essa enfiada de recreios públicos alguma coisa que entenda com a mentalidade humana. [...] Danças, vistas, tramoias, tudo o que pode nutrir a porção sensual do homem, nada que lhe fale a essa outra porção mais pura; nenhum ou raro desses produtos do engenho, frutos da arte que deu à humanidade o mais profundo dos seus indivíduos. Pobre espírito! Quem pensa em ti, nessa dança macabra de coisas sólidas? Quem oferece alguma coisa ao paladar dos delicados, não corrompido pelo angu do vulgo?”. 

Não há como negar que, no Brasil República, tanto a vida quanto a configuração do urbano sofreram consideráveis modificações. Dentre elas, destacam-se aquelas resultantes da presença de expressões do setor terciário, tais como o comércio informal de rua, os prédios destinados a serviços especializados e, posteriormente, os shopping centers. O surgimento e a proliferação destes “templos do consumo” consolidaram o referido setor como imprescindível para a comercialização e consumo de mercadorias. Juntamente com o shopping center, foram sendo agregadas condições de lazer, entretenimento e cultural a tal ambiente, o que denota sua relevância adquirida junto à sociedade. Tanto é que, no setor em questão, o Brasil, conforme a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), ocupa o 5º lugar no ranking mundial, atrás de Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e França.

A respeito, é preciso considerar a ressalva feita pelo jornalista Frei Betto, no livro Diálogos criativos (2008): “para nós, que vivemos no Brasil, o shopping center é algo mais do que na Europa ou nos Estados Unidos. É onde os pobres desaparecem da paisagem; não há mendigos, não há crianças de rua, não há pedintes nem violência urbana, ou seja, é onde faço de conta que a minha realidade não existe. O principal produto que o shopping oferece é gratuito: a ilusão de que vivo numa sociedade ideal, onde todos os bens estão ao alcance da mão e ninguém está privado dessa possibilidade, porque não vejo a multidão de pobres”. 

De forma irreverente, o grupo Mamonas Assassinas também criticou a diversão superficial e o consumismo exacerbado que predominam nos shoppings. Basta conferir o conteúdo bem-humorado da canção Chopis Centis (1995): “Eu dí um beijo nela e chamei pra passear./A gente fomos no shopping, pra mó di a gente lanchá./Comi uns bicho estranho, com um tal de gergelim./Até que tava gostoso, mas eu prefiro aipim./Quantcha gente,/Quantcha alegria,/A minha felicidade/é um crediário/nas Casas Bahia./Esse tal Chopis Centis é muito legalzinho,/prá levar as namorada e dá uns rolêzinho./Quando eu estou no trabalho,/não vejo a hora de descer dos andaime/prá pegar um cinema, ver Schwarzeneger/também o Van Damme./Quantcha gente,/Quantcha alegria,/A minha felicidade/é um crediário/nas Casas Bahia”.

Como produto da massificação cultural, o “angu do vulgo” não educa o gosto e nem ajuda a atribuir sentido às coisas, enriquecendo-as de significados. Em geral, trata-se de uma produção simbólica de baixa qualidade. Uma diversão que contém mais entretenimento e menos cultura. Cultura é tudo aquilo que engrandece o nosso espírito e a nossa consciência. Entretenimento é o que agrada aos nossos sentidos, sem o crivo da crítica apurada. Face ao exposto, conseguimos, por exemplo, perceber o conjunto de interesses escusos, que se encontram por trás da construção do Parlashopping, a ser feito ao lado do Congresso Nacional. Ao sancionar a Medida Provisória 668, transformada na Lei n° 13.137, no dia 22/06/2015, a presidenta Dilma Rousseff, honrando nebuloso acordo feito com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), autorizou a Parceria Público Privada para a construção do ultrajante centro comercial. Um verdadeiro acinte, considerando o tempo de “vacas magras” que afeta a maior parte dos brasileiros.

O Parlashopping também é incompatível com a destinação prevista para aquele espaço e representa uma grave ameaça à preservação de Brasília como Patrimônio da Humanidade. Modificações dessa natureza prejudicam a estrutura arquitetônica, urbanística e paisagística da cidade. O projeto do empreendimento, orçado em R$ 1 bilhão, pretende contemplar a construção de três novos anexos ao prédio principal, com a instalação de salas comerciais, lojas, restaurantes e estacionamentos para oferecer mais conforto aos deputados. Continua tendo razão o escritor e jornalista Lima Barreto, ao satirizar os abusos dos poderosos ineptos: “Bossuet dizia que o verdadeiro fim da política era fazer os povos felizes, o verdadeiro fim da política dos políticos da Bruzundanga é fazer os povos infelizes”.

* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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