Marcos Fabrício Lopes da Silva*
Educação é toda relação de mão dupla, no sentido
de despertar um processo subjetivo de evolução. Essa confluência leva o
educando a promover autonomamente o seu aprendizado moral e intelectual.
Trata-se de um processo sem qualquer forma de coação, pois o educador apela
para a vontade do educando e conquista-lhe a adesão voluntária para uma ação de
aperfeiçoamento. Educar é, pois, elevar, estimular a busca da maturidade,
despertar a consciência, facilitar o progresso integral do ser.
O processo educativo é sempre uma relação de
indivíduo para indivíduo. E isso ocorre por dois motivos: primeiro porque uma
individualidade só se reconhece como individualidade e progride como tal,
quando é reconhecida e posta em contato com outra. Segundo, porque só ocorre
confluência positiva não-violenta através do amor e o amor só se dá por meio de
entre atenções compartilhadas. Um educador pode amar muitos educandos, mas com
cada um deve estabelecer uma relação individual. Amamos indivíduos e não massas
e grupos. Amar alguém é conhecê-lo profundamente, é interessar-se pela sua
felicidade e pelo seu progresso. Por isso, o amor verdadeiro é sempre
educativo, e Educação verdadeira é sempre um ato de amor. O amor não é um
apetrecho, um aspecto da Educação. A relação entre amor e Educação é intrínseca,
indissociável. Qualquer processo que se afasta disso não é Educação, é
simplesmente alguma forma de domínio, de patologia ou de prejuízo para aquele
que o recebe.
O que se entende muitas vezes por Educação é
apenas o processo de integração do indivíduo na sociedade. Ou seja, é sinônimo
de socialização. Nessa concepção isolada, ela pode ser tornar um esforço de
modelação do homem, abafando-lhe a individualidade e promovendo a padronização
social. Logo, a Educação alimenta equivocadamente um paradigma conservador –
mantendo o “status quo”, e prejudicando a evolução humana – e um sistema
autoritário, desrespeitando a individualidade do educando e deixando de
desenvolvê-la como um ser humano, rico de promessas de transformação. O homem
se torna apenas o produto acabado de uma dada cultura e de todas as suas mazelas
sociais.
Há de reconhecer que a Educação tem um aspecto
socializador, mas socializar deve significar: 1) familiarizar o sujeito com a
cultura e organização social em que está inserida, mas não a modelar
absolutamente de acordo com esses padrões. O desenvolvimento da capacidade
crítica, da criatividade e da autonomia de pensamento afastam esse perigo. A
respeito, poeticamente alertava o escritor Aníbal Machado, em Cadernos de João (1984): “o espírito
muda de posição ou retorna à antiga em que repousa e se aborrece. Só mais tarde
vem a saber que o melhor tempo era quando andava livre à procura de uma
solução, quando fazia passear suas inquietações”; 2) despertar no indivíduo o
sentido de justiça, solidariedade e amor ao próximo, porque esses são os
valores essenciais para a formação de uma sociedade justa. Neste sentido, é
emblemática a linda canção Vamos viver (1997),
imortalizada na voz de Sandra de Sá: "Vamos consertar o mundo/Vamos começar lavando os pratos/Nos ajudar uns
aos outros/Me deixar amarrar os teus sapatos/Vamos acabar com a
dor/E arrumar os discos numa prateleira/Vamos viver só de amor/Que
o aluguel venceu na terça-feira/O sonho agora é real/E a chuva
cai por uma fresta no telhado/Por onde também passa o sol/Hoje é
dia de supermercado/Vamos viver só de amor/Vamos viver só de amor/Vamos
viver só de amor/Vamos viver só de amor".
Ao
contrário, socializar tem sido, quase sempre, ensinar às pessoas os padrões de
injustiça, exploração, egoísmo e orgulho, vigentes nas relações sociais e
políticas. Subentende-se, neste modelo competitivo e predatório, que é preciso
ensiná-la a lesar o próximo, a pensar em primeiro lugar em si e em seus
próprios interesses. Em contrapartida, educar um indivíduo para integrar-se na
sociedade deve significar equipá-lo de valores reais com que ela possa
justamente contribuir para a evolução coletiva. A fim de que a instrução seja
de fato um dos aspectos da Educação, o conteúdo transmitido deve ser verdadeiro.
Todo conhecimento verdadeiro pode transformar o homem positivamente, e quem
transmite um conhecimento pode provocar alguma mutação naquele que o recebe.
Esta mudança pressupõe a transmissão de um conteúdo cognitivo empenhando em
ajudar o outro a evoluir.
O ideal do processo educativo consiste, portanto,
em desenvolver o educando de acordo com a natureza, na evolução harmoniosa do
amor-próprio e do amor ao próximo; levá-lo a desenvolver-se na liberdade
iluminada pela razão. A função da razão, por sua vez, é dirigir a conduta
humana para o “bem do intelecto” e para o “bem do caráter”. Assim,
desenvolver-se-á a autêntica felicidade, e o educando se elevará ao verdadeiro
ideal do homem. Tamanha missão pedagógica levou o saudoso Rubem Alves
(1933-2014) a chamar, o educador de “fundador de mundos”, “mediador de
esperanças” e “pastor de projetos”. Ainda no livro Educador: vida e morte (1982), Marilena Chauí defende a tese de que
a educação está para a alegria assim como a servidão está para a tristeza. Cabe à
educação ampliar nossa capacidade de agir com autonomia, impedindo, assim, que a
virtude humana em destaque seja diminuída ou entravada pela apatia opressora.
Acredito que três preocupações muito importantes
devem animar a educação da sociabilidade. Há o domínio da verdade – e seu
avesso, o que é falso ou indeterminável. Há o domínio da beleza – e sua
ausência, em experiências e objetos que são feios ou medíocres. E há o domínio
da moralidade – o que consideramos ser bom e o que consideramos ser maligno.
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