domingo, 13 de setembro de 2015

EDUCAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Educação é toda relação de mão dupla, no sentido de despertar um processo subjetivo de evolução. Essa confluência leva o educando a promover autonomamente o seu aprendizado moral e intelectual. Trata-se de um processo sem qualquer forma de coação, pois o educador apela para a vontade do educando e conquista-lhe a adesão voluntária para uma ação de aperfeiçoamento. Educar é, pois, elevar, estimular a busca da maturidade, despertar a consciência, facilitar o progresso integral do ser.
O processo educativo é sempre uma relação de indivíduo para indivíduo. E isso ocorre por dois motivos: primeiro porque uma individualidade só se reconhece como individualidade e progride como tal, quando é reconhecida e posta em contato com outra. Segundo, porque só ocorre confluência positiva não-violenta através do amor e o amor só se dá por meio de entre atenções compartilhadas. Um educador pode amar muitos educandos, mas com cada um deve estabelecer uma relação individual. Amamos indivíduos e não massas e grupos. Amar alguém é conhecê-lo profundamente, é interessar-se pela sua felicidade e pelo seu progresso. Por isso, o amor verdadeiro é sempre educativo, e Educação verdadeira é sempre um ato de amor. O amor não é um apetrecho, um aspecto da Educação. A relação entre amor e Educação é intrínseca, indissociável. Qualquer processo que se afasta disso não é Educação, é simplesmente alguma forma de domínio, de patologia ou de prejuízo para aquele que o recebe.
O que se entende muitas vezes por Educação é apenas o processo de integração do indivíduo na sociedade. Ou seja, é sinônimo de socialização. Nessa concepção isolada, ela pode ser tornar um esforço de modelação do homem, abafando-lhe a individualidade e promovendo a padronização social. Logo, a Educação alimenta equivocadamente um paradigma conservador – mantendo o “status quo”, e prejudicando a evolução humana – e um sistema autoritário, desrespeitando a individualidade do educando e deixando de desenvolvê-la como um ser humano, rico de promessas de transformação. O homem se torna apenas o produto acabado de uma dada cultura e de todas as suas mazelas sociais.
Há de reconhecer que a Educação tem um aspecto socializador, mas socializar deve significar: 1) familiarizar o sujeito com a cultura e organização social em que está inserida, mas não a modelar absolutamente de acordo com esses padrões. O desenvolvimento da capacidade crítica, da criatividade e da autonomia de pensamento afastam esse perigo. A respeito, poeticamente alertava o escritor Aníbal Machado, em Cadernos de João (1984): “o espírito muda de posição ou retorna à antiga em que repousa e se aborrece. Só mais tarde vem a saber que o melhor tempo era quando andava livre à procura de uma solução, quando fazia passear suas inquietações”; 2) despertar no indivíduo o sentido de justiça, solidariedade e amor ao próximo, porque esses são os valores essenciais para a formação de uma sociedade justa. Neste sentido, é emblemática a linda canção Vamos viver (1997), imortalizada na voz de Sandra de Sá: "Vamos consertar o mundo/Vamos começar lavando os pratos/Nos ajudar uns aos outros/Me deixar amarrar os teus sapatos/Vamos acabar com a dor/E arrumar os discos numa prateleira/Vamos viver só de amor/Que o aluguel venceu na terça-feira/O sonho agora é real/E a chuva cai por uma fresta no telhado/Por onde também passa o sol/Hoje é dia de supermercado/Vamos viver só de amor/Vamos viver só de amor/Vamos viver só de amor/Vamos viver só de amor".
 Ao contrário, socializar tem sido, quase sempre, ensinar às pessoas os padrões de injustiça, exploração, egoísmo e orgulho, vigentes nas relações sociais e políticas. Subentende-se, neste modelo competitivo e predatório, que é preciso ensiná-la a lesar o próximo, a pensar em primeiro lugar em si e em seus próprios interesses. Em contrapartida, educar um indivíduo para integrar-se na sociedade deve significar equipá-lo de valores reais com que ela possa justamente contribuir para a evolução coletiva. A fim de que a instrução seja de fato um dos aspectos da Educação, o conteúdo transmitido deve ser verdadeiro. Todo conhecimento verdadeiro pode transformar o homem positivamente, e quem transmite um conhecimento pode provocar alguma mutação naquele que o recebe. Esta mudança pressupõe a transmissão de um conteúdo cognitivo empenhando em ajudar o outro a evoluir.
O ideal do processo educativo consiste, portanto, em desenvolver o educando de acordo com a natureza, na evolução harmoniosa do amor-próprio e do amor ao próximo; levá-lo a desenvolver-se na liberdade iluminada pela razão. A função da razão, por sua vez, é dirigir a conduta humana para o “bem do intelecto” e para o “bem do caráter”. Assim, desenvolver-se-á a autêntica felicidade, e o educando se elevará ao verdadeiro ideal do homem. Tamanha missão pedagógica levou o saudoso Rubem Alves (1933-2014) a chamar, o educador de “fundador de mundos”, “mediador de esperanças” e “pastor de projetos”. Ainda no livro Educador: vida e morte (1982), Marilena Chauí defende a tese de que a educação está para a alegria assim como a servidão está para a tristeza. Cabe à educação ampliar nossa capacidade de agir com autonomia, impedindo, assim, que a virtude humana em destaque seja diminuída ou entravada pela apatia opressora.
Acredito que três preocupações muito importantes devem animar a educação da sociabilidade. Há o domínio da verdade – e seu avesso, o que é falso ou indeterminável. Há o domínio da beleza – e sua ausência, em experiências e objetos que são feios ou medíocres. E há o domínio da moralidade – o que consideramos ser bom e o que consideramos ser maligno.


* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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