Marcos Fabrício Lopes da Silva*
Parodiando Monteiro Lobato, ao afirmar que ‘‘O
Jeca não é assim: está assim’’, Carneiro Viana, professor emérito da Escola de
Veterinária da UFMG, traz ao público alentada obra, intitulada O Terceiro Mundo não é assim: está assim! (1999).
O pesquisador descreve sobre as perspectivas futuras do Brasil, classificado
como País de Terceiro Mundo, terminologia oriunda da conferência de Bandung
(Java, lndonésia), que condenou a segregação social e proclamou o direito dos
povos de decidirem o seu próprio destino. Carneiro Viana prioriza a educação
como alavanca essencial ao desenvolvimento de um povo. Recorrendo-me as suas
próprias palavras, este é o principal objetivo de sua obra: ‘‘Nada de mais substantivo
procuro do que colocar o assunto em discussão em busca de ‘solucionática’ para
o Terceiro Mundo, tentando avaliar o altíssimo custo humano, social e econômico
que o processo do subdesenvolvimento, ao longo de dezenas de gerações sofridas,
vem ocasionando às populações que, em geral, vivem no atraso, pelo atraso e
para o atraso, num processo perverso que certamente atinge bilhões de seres
humanos, que acabam anestesiados como consequência de tantos sofrimentos,
opressões e exclusões’’. Concordo com ele que muitas coisas precisam ser feitas
pelo desenvolvimento humano nos Trópicos e Sub-Trópicos como instrumento de
mudança: mudança de mentalidade, mudança de cultura, de comportamento e de
ação. ‘‘Mudanças capazes de fazer a transição do subdesenvolvimento para o
desenvolvimento, de levar o atrasado ao progresso, de levar o apático ao
dinâmico, de transformar o conservador em revolucionário’’.
Fundamental nesse sentido é o papel do Estado,
zelando pelo que se chama “capital humano”, assegurando que os impostos
extraídos da sociedade sejam investidos, prioritariamente, em educação básica,
saneamento, e saúde pública. Cícero (Pro
Cluentio, 53) dizia: ‘‘Omnes legum
servi sumus, ut liberi esse possumus’’. Somos todos servos da lei para que
possamos ser livres. Se há uma condenação judicial, ela deve ser cumprida por
todos, particulares e administração pública, pois neste aspecto há igualdade.
Se o Estado se submeteu (e tem que submeter-se) às regras que ele mesmo impõe,
não pode excluir-se na hora do cumprimento, ferindo as regras do jogo que ele
livremente impõe a todos. Nada mais indigno e violador da cultura jurídica dos
povos civilizados. Há muitos anos, em seu clássico Formação Econômica do Brasil (1959), Celso Furtado chamava a
atenção para a política de ‘‘socialização dos prejuízos’’ em detrimento do povo
brasileiro. O certo é que o economista teve o sonho de viabilizar um projeto
voltado para as necessidades das camadas pobres. Mantém bem viva a necessidade
de construir um projeto nacional realista, sem essa de pretender fazer do
Brasil um País apenas viável para 296 mil pessoas entre o 1% mais rico do mundo
e mais de 5 milhões entre os 10% no topo, conforme indica o Relatório do Banco Credit Suisse (2014).
No mundo, o 1% mais rico detém mais de 48% da
riqueza total. Esta, por sua vez, subiu 8,3% desde os meados de 2013, para US$
263 trilhões, ou 16 vezes o PIB dos Estados Unidos – um recorde. Apesar da
crise global, o valor supera o dobro dos US$ 117 trilhões de 2000, graças à
recuperação dos mercados imobiliário e de capitais. Nesse sentido, certeiro foi
o poeta Cacaso, em “Reflexo Condicionado” (Grupo
Escolar, 1974): “pense rápido:/Produto Interno Bruto/ou/brutal produto
interno?”. Razão de sobra tinha Celso Furtado, ao afirmar que o mercado não
resolve o problema brasileiro: por exemplo, mais de 79% da população
brasileira, que recebe até três salários mínimos por mês, contribui com 53% da
arrecadação tributária total no país, informa o Instituto Brasileiro de
Planejamento e Tributação (2014). Não existe mercado puro, pois há uma luta de
grupos disputando a gerência do Estado. A agenda dos mandatários do poder
econômico fala apenas em privatizações e em parcerias com grandes conglomerados
estrangeiros adeptos de produtos de primeira linha. Historicamente sabemos que
o Tesouro forneceu bilhões para salvar bancos e instituições falidos por causa
das aventuras dos capitais especulativos. O nome disso também é corrupção.
De um modo geral, atribui-se a corrupção
brasileira, com razão, à herança ibérica e ao patrimonialismo como tipo de
dominação política, proporcionando, assim, as mazelas institucionais promovidas
pela malversação dos recursos públicos, tendendo a perigosamente naturalizar a
degradação administrativa. O que é necessário no Brasil é a sanção exemplar dos
casos traumáticos de corrupção, para que possamos gerar uma nova concepção
daquilo que é público. A corrupção degenera a democracia, porque retira dela a
publicidade das instituições políticas diante da sociedade, tendo em vista a
fundamentação de uma cultura pouco participativa e pouco preocupada com o
interesse público. O paradoxo do controle da corrupção no Brasil ocorre pelo
fato de ampliarmos o controle burocrático e criminal, sem que disso resulte
maior publicidade do Estado frente à sociedade. Publicidade essa que, enquanto
princípio de nosso regime democrático, deve ser compreendida como o desfecho
possível de nossa tragédia. Para que ela se concretize, não precisamos jogar
fora os sistemas de vigilância, mas precisamos reforçar os fóruns públicos de
controle da corrupção. Na chave da publicidade, vislumbra-se uma solução que alie
vigilância, transparência e maturidade política. Refiro-me à possibilidade de produção
de consensos suprapartidários, capazes de balizar um projeto de reforma que não
caia na armadilha dos casuísmos, mas permita consolidar a democracia, impedindo
sua degeneração. Muito bem disse Cacaso, no poema “Paternidade” (Beijo na boca e outros poemas, 1985): “A
inteligência é mãe da moral”.
* Professor da Faculdade JK,
no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela
Faculdade de Letras da UFMG.
Nenhum comentário:
Postar um comentário