quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O BRASIL NÃO É ASSIM, ESTÁ ASSIM!

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Parodiando Monteiro Lobato, ao afirmar que ‘‘O Jeca não é assim: está assim’’, Carneiro Viana, professor emérito da Escola de Veterinária da UFMG, traz ao público alentada obra, intitulada O Terceiro Mundo não é assim: está assim! (1999). O pesquisador descreve sobre as perspectivas futuras do Brasil, classificado como País de Terceiro Mundo, terminologia oriunda da conferência de Bandung (Java, lndonésia), que condenou a segregação social e proclamou o direito dos povos de decidirem o seu próprio destino. Carneiro Viana prioriza a educação como alavanca essencial ao desenvolvimento de um povo. Recorrendo-me as suas próprias palavras, este é o principal objetivo de sua obra: ‘‘Nada de mais substantivo procuro do que colocar o assunto em discussão em busca de ‘solucionática’ para o Terceiro Mundo, tentando avaliar o altíssimo custo humano, social e econômico que o processo do subdesenvolvimento, ao longo de dezenas de gerações sofridas, vem ocasionando às populações que, em geral, vivem no atraso, pelo atraso e para o atraso, num processo perverso que certamente atinge bilhões de seres humanos, que acabam anestesiados como consequência de tantos sofrimentos, opressões e exclusões’’. Concordo com ele que muitas coisas precisam ser feitas pelo desenvolvimento humano nos Trópicos e Sub-Trópicos como instrumento de mudança: mudança de mentalidade, mudança de cultura, de comportamento e de ação. ‘‘Mudanças capazes de fazer a transição do subdesenvolvimento para o desenvolvimento, de levar o atrasado ao progresso, de levar o apático ao dinâmico, de transformar o conservador em revolucionário’’.

Fundamental nesse sentido é o papel do Estado, zelando pelo que se chama “capital humano”, assegurando que os impostos extraídos da sociedade sejam investidos, prioritariamente, em educação básica, saneamento, e saúde pública. Cícero (Pro Cluentio, 53) dizia: ‘‘Omnes legum servi sumus, ut liberi esse possumus’’. Somos todos servos da lei para que possamos ser livres. Se há uma condenação judicial, ela deve ser cumprida por todos, particulares e administração pública, pois neste aspecto há igualdade. Se o Estado se submeteu (e tem que submeter-se) às regras que ele mesmo impõe, não pode excluir-se na hora do cumprimento, ferindo as regras do jogo que ele livremente impõe a todos. Nada mais indigno e violador da cultura jurídica dos povos civilizados. Há muitos anos, em seu clássico Formação Econômica do Brasil (1959), Celso Furtado chamava a atenção para a política de ‘‘socialização dos prejuízos’’ em detrimento do povo brasileiro. O certo é que o economista teve o sonho de viabilizar um projeto voltado para as necessidades das camadas pobres. Mantém bem viva a necessidade de construir um projeto nacional realista, sem essa de pretender fazer do Brasil um País apenas viável para 296 mil pessoas entre o 1% mais rico do mundo e mais de 5 milhões entre os 10% no topo, conforme indica o Relatório do Banco Credit Suisse (2014).

No mundo, o 1% mais rico detém mais de 48% da riqueza total. Esta, por sua vez, subiu 8,3% desde os meados de 2013, para US$ 263 trilhões, ou 16 vezes o PIB dos Estados Unidos – um recorde. Apesar da crise global, o valor supera o dobro dos US$ 117 trilhões de 2000, graças à recuperação dos mercados imobiliário e de capitais. Nesse sentido, certeiro foi o poeta Cacaso, em “Reflexo Condicionado” (Grupo Escolar, 1974): “pense rápido:/Produto Interno Bruto/ou/brutal produto interno?”. Razão de sobra tinha Celso Furtado, ao afirmar que o mercado não resolve o problema brasileiro: por exemplo, mais de 79% da população brasileira, que recebe até três salários mínimos por mês, contribui com 53% da arrecadação tributária total no país, informa o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (2014). Não existe mercado puro, pois há uma luta de grupos disputando a gerência do Estado. A agenda dos mandatários do poder econômico fala apenas em privatizações e em parcerias com grandes conglomerados estrangeiros adeptos de produtos de primeira linha. Historicamente sabemos que o Tesouro forneceu bilhões para salvar bancos e instituições falidos por causa das aventuras dos capitais especulativos. O nome disso também é corrupção.

De um modo geral, atribui-se a corrupção brasileira, com razão, à herança ibérica e ao patrimonialismo como tipo de dominação política, proporcionando, assim, as mazelas institucionais promovidas pela malversação dos recursos públicos, tendendo a perigosamente naturalizar a degradação administrativa. O que é necessário no Brasil é a sanção exemplar dos casos traumáticos de corrupção, para que possamos gerar uma nova concepção daquilo que é público. A corrupção degenera a democracia, porque retira dela a publicidade das instituições políticas diante da sociedade, tendo em vista a fundamentação de uma cultura pouco participativa e pouco preocupada com o interesse público. O paradoxo do controle da corrupção no Brasil ocorre pelo fato de ampliarmos o controle burocrático e criminal, sem que disso resulte maior publicidade do Estado frente à sociedade. Publicidade essa que, enquanto princípio de nosso regime democrático, deve ser compreendida como o desfecho possível de nossa tragédia. Para que ela se concretize, não precisamos jogar fora os sistemas de vigilância, mas precisamos reforçar os fóruns públicos de controle da corrupção. Na chave da publicidade, vislumbra-se uma solução que alie vigilância, transparência e maturidade política. Refiro-me à possibilidade de produção de consensos suprapartidários, capazes de balizar um projeto de reforma que não caia na armadilha dos casuísmos, mas permita consolidar a democracia, impedindo sua degeneração. Muito bem disse Cacaso, no poema “Paternidade” (Beijo na boca e outros poemas, 1985): “A inteligência é mãe da moral”.


* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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