Marcos Fabrício Lopes da Silva*
Atualmente, o artigo 6º da Constituição
Federal tem a seguinte redação: “São direitos sociais: a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição”. Apresentado no ano de 2010, pelo senador Cristovam Buarque
(PDT-DF), o Projeto de Emenda Constitucional n º 19/10, apelidada e “PEC da
Felicidade”, tem como objetivo alterar o artigo 6º da Constituição Federal que
passaria ter como texto o seguinte: “São direitos sociais, essenciais à busca
da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Sabemos da importância da felicidade para
que seja alcançado o nosso bem-estar. Em Carta
sobre a felicidade: (a Meneceu), Epicuro apresenta como argumento a
reflexão a seguir: “afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida
feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser
humano, em razão dele praticamos toda escolha e recusa, e a ele chegamos
escolhendo tod bem de acordo com a distinção entre prazer e dor”. O máximo de
prazer e o mínimo de dor é a meta de quem busca a felicidade. Outra opinião
importante sobre o tema em destaque se encontra no livro Discurso sobre a felicidade, escrito por Madame du Châtelet: “para
ser feliz, é preciso desfazer-se dos preconceitos, ser virtuoso, gozar de boa
saúde”. Vejamos então como a PEC da Felicidade contempla esses aspectos que
cercam este sentimento agradável.
No texto Felicidade e Política, Cristovam Buarque nos oferece a louvável
justificativa da PEC: “Felicidade é uma questão pessoal, mas o caminho para ela
depende do entorno social onde a pessoa vive; e este entorno é construído ou
desconstruído pela política, pela família, cidade, país, até mesmo pelo mundo.
Por isto, o caminho para a busca da felicidade pessoal depende das políticas
que administram a sociedade”. Explicitar a busca da felicidade como objetivo
maior dos direitos sociais significa reforçar o compromisso do Estado com a
qualidade de vida de seus concidadãos. O senador acredita que os dirigentes
públicos deveriam ser “facilitadores da felicidade” e não “criadores de
infelicidade”.
Pragmaticamente, a PEC visa garantir
formalmente o compromisso com a oferta dos serviços sociais, sendo esta uma
condição básica para que cada pessoa possa buscar sua felicidade. Felicidade
aqui entendida como realização autônoma. Não podemos conviver mais com cenários
políticos desestimulantes, conforme já havia sido alertado por Lima Barreto nas
crônicas “Tenho esperança que...” e “Elogio da Morte”, ambas de 1918. Na
primeira, o autor de Triste fim de
Policarpo Quaresma afirma que “a nossa (política) tem por fim fazer a vida
incômoda e os povos infelizes; e seus partidos têm por programa único: não
fazer nada útil”. Na segunda, o escritor salienta que “a vida não pode ser uma
dor, uma humilhação de contínuos burocratas idiotas; a vida deve ser uma
vitória”. Nesse sentido, felicidade é energia positiva.
Para busca da sua felicidade,
cada indivíduo deve ter acesso ao mínimo essencial para uma existência digna,
razão está que se discute a essencialidade dos Direitos Sociais para a garantia
a busca da felicidade. É enaltecido
neste sentido o propósito aristotélico, defendido em Ética a Nicômacos, a saber: “o bem soberano é a felicidade, para
onde todas as coisas tendem”. A PEC n º 19/10 destaca a felicidade como
“questão metafísica prática”, uma vez que ela deve ser compreendida como um bem
coletivo a alcance de todos os indivíduos, sem distinção. Segundo o projeto de emenda, a busca individual pela
felicidade pressupõe a observância da felicidade coletiva, evidenciado na
observância dos itens que tornam mais feliz a sociedade, ou seja, a garantia e
efetivação dos direitos sociais. Desta forma, uma sociedade mais feliz é uma
sociedade desenvolvida, em que todos tenham acesso aos serviços públicos
básicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, entre outros
benefícios.
Na opinião do advogado Raphael
Fernando Pinheiro, expressa no artigo “A positivação da felicidade como direito
fundamental” (Âmbito Jurídico, maio/2012),
“ao positivar a Constituição Federal de 1988 que a busca da felicidade
prescinde do cumprimento pelo Estado dos Direitos Sociais, ocorrerá uma
oxigenação na interpretação de nosso do texto constitucional, sendo um
compromisso do Estado Brasileiro em cumprir os direitos assegurados
principalmente no art. 6º de nossa Carta Magna”.
Em contraposição ao parecer de
Pinheiro, a advogada e assessora do STF, Beatriz Horbach, no artigo
“Constitucionalizar a felicidade é cura ou placebo?” (Consultor Jurídico, de 03/08/2013), considera que “inserir o
direito à busca da felicidade na Constituição Federal seria uma espécie de
paliativo desnecessário, praticamente um placebo”. Pertinente o pensamento da
autora quando diz que deve-se garantir, acima de tudo, a preservação da
dignidade humana em suas diferentes dimensões. Penso, porém, que
constitucionalizar a busca da felicidade como essência social e justificativa
para a concretização de direitos sociais aumenta o nosso senso de dever e
responsabilidade com a promoção da dignidade humana. É um ato de
“felicidadania”, encanto de expressão criada por Caetano Veloso, em Outras palavras (1981).
* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
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