quinta-feira, 3 de setembro de 2015

FELICIDADANIA

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Atualmente, o artigo 6º da Constituição Federal tem a seguinte redação: “São direitos sociais: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Apresentado no ano de 2010, pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), o Projeto de Emenda Constitucional n º 19/10, apelidada e “PEC da Felicidade”, tem como objetivo alterar o artigo 6º da Constituição Federal que passaria ter como texto o seguinte: “São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Sabemos da importância da felicidade para que seja alcançado o nosso bem-estar. Em Carta sobre a felicidade: (a Meneceu), Epicuro apresenta como argumento a reflexão a seguir: “afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e recusa, e a ele chegamos escolhendo tod bem de acordo com a distinção entre prazer e dor”. O máximo de prazer e o mínimo de dor é a meta de quem busca a felicidade. Outra opinião importante sobre o tema em destaque se encontra no livro Discurso sobre a felicidade, escrito por Madame du Châtelet: “para ser feliz, é preciso desfazer-se dos preconceitos, ser virtuoso, gozar de boa saúde”. Vejamos então como a PEC da Felicidade contempla esses aspectos que cercam este sentimento agradável.

No texto Felicidade e Política, Cristovam Buarque nos oferece a louvável justificativa da PEC: “Felicidade é uma questão pessoal, mas o caminho para ela depende do entorno social onde a pessoa vive; e este entorno é construído ou desconstruído pela política, pela família, cidade, país, até mesmo pelo mundo. Por isto, o caminho para a busca da felicidade pessoal depende das políticas que administram a sociedade”. Explicitar a busca da felicidade como objetivo maior dos direitos sociais significa reforçar o compromisso do Estado com a qualidade de vida de seus concidadãos. O senador acredita que os dirigentes públicos deveriam ser “facilitadores da felicidade” e não “criadores de infelicidade”.

Pragmaticamente, a PEC visa garantir formalmente o compromisso com a oferta dos serviços sociais, sendo esta uma condição básica para que cada pessoa possa buscar sua felicidade. Felicidade aqui entendida como realização autônoma. Não podemos conviver mais com cenários políticos desestimulantes, conforme já havia sido alertado por Lima Barreto nas crônicas “Tenho esperança que...” e “Elogio da Morte”, ambas de 1918. Na primeira, o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma afirma que “a nossa (política) tem por fim fazer a vida incômoda e os povos infelizes; e seus partidos têm por programa único: não fazer nada útil”. Na segunda, o escritor salienta que “a vida não pode ser uma dor, uma humilhação de contínuos burocratas idiotas; a vida deve ser uma vitória”. Nesse sentido, felicidade é energia positiva.

Para busca da sua felicidade, cada indivíduo deve ter acesso ao mínimo essencial para uma existência digna, razão está que se discute a essencialidade dos Direitos Sociais para a garantia a busca da felicidade. É enaltecido neste sentido o propósito aristotélico, defendido em Ética a Nicômacos, a saber: “o bem soberano é a felicidade, para onde todas as coisas tendem”. A PEC n º 19/10 destaca a felicidade como “questão metafísica prática”, uma vez que ela deve ser compreendida como um bem coletivo a alcance de todos os indivíduos, sem distinção. Segundo o projeto de emenda, a busca individual pela felicidade pressupõe a observância da felicidade coletiva, evidenciado na observância dos itens que tornam mais feliz a sociedade, ou seja, a garantia e efetivação dos direitos sociais. Desta forma, uma sociedade mais feliz é uma sociedade desenvolvida, em que todos tenham acesso aos serviços públicos básicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, entre outros benefícios.

Na opinião do advogado Raphael Fernando Pinheiro, expressa no artigo “A positivação da felicidade como direito fundamental” (Âmbito Jurídico, maio/2012), “ao positivar a Constituição Federal de 1988 que a busca da felicidade prescinde do cumprimento pelo Estado dos Direitos Sociais, ocorrerá uma oxigenação na interpretação de nosso do texto constitucional, sendo um compromisso do Estado Brasileiro em cumprir os direitos assegurados principalmente no art. 6º de nossa Carta Magna”.

Em contraposição ao parecer de Pinheiro, a advogada e assessora do STF, Beatriz Horbach, no artigo “Constitucionalizar a felicidade é cura ou placebo?” (Consultor Jurídico, de 03/08/2013), considera que “inserir o direito à busca da felicidade na Constituição Federal seria uma espécie de paliativo desnecessário, praticamente um placebo”. Pertinente o pensamento da autora quando diz que deve-se garantir, acima de tudo, a preservação da dignidade humana em suas diferentes dimensões. Penso, porém, que constitucionalizar a busca da felicidade como essência social e justificativa para a concretização de direitos sociais aumenta o nosso senso de dever e responsabilidade com a promoção da dignidade humana. É um ato de “felicidadania”, encanto de expressão criada por Caetano Veloso, em Outras palavras (1981). 

* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.


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