domingo, 13 de setembro de 2015

AUTOAJUDA: AJUDA OU ATRAPALHA?

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Por trás do fenômeno de vendas emplacadas pela literatura de autoajuda, encontra-se uma tremenda confusão que se faz entre os sentimentos de autoestima e vaidade. Adverte o músico e escritor Zeca Baleiro, em Bala na agulha (2010): “o livro de autoajuda e seus similares atropelam a individualidade dos cidadãos, nivelando todos – por baixo – em uma grande massa humana, de comportamentos e atitudes padronizados, sem levar em conta a complexidade própria da espécie: ‘Faça isso, faça aquilo!’; ‘seja amável com o próximo’ etc etc etc. Nada que um humano com o mínimo bom senso não devesse saber fazer com sua vida por sua própria conta e risco. O que me inquieta é pensar como, através dos tempos, uma certa qualidade de pensamento e da reflexão foi-se deteriorando, deteriorando, até chegar a patamares inimagináveis de cretinice, de ‘baixeza’ mental, inversamente proporcionais aos êxitos monstruosos das vendas desses tais livros e, pior, com a adesão cada vez mais cega das pessoas. É como se um arrastão de mediocridade fosse furando o cerco, minando a resistência crítica, como uma grande devastadora onda, até ganhar adeptos entre mentes, senão brilhantes, pelo menos ‘pensantes’. E assim, vai se delineando o espírito de uma época”.
Considerando o que disse Baleiro, podemos afirmar que a mediocridade está para a vaidade, assim como a resistência crítica está para a autoestima. Os livros de autoajuda atuam na brecha íntima dos leitores que sofrem de baixa autoestima e esperam se ver logo livres deste problema com soluções simples e cômodas de sucesso. Com o ego massageado, o leitor tem a sua vaidade alimentada por meio do cumprimento das doutrinas facilitadoras de conforto, com a promessa de que nenhum esforço precisa ser feito para tal, a não ser sua própria “força de vontade”. Basta, como destaca Baleiro, seguir “fórmulas de felicidade e bem-estar” que “são repetidas como mantras em escala industrial”.
Os leitores de literatura facilitadora preferem o caminho da vaidade que fortalece o exibicionismo de plantão. A vaidade depende de observadores externos, pessoas que nos aplaudam e nos admirem. A gratificação da vaidade depende de sermos capazes de nos destacar. Desse modo, a literatura de autoajuda, com suas receitas de sucesso, sustenta nosso complexo de pódio, nossa honra ao mérito narcisista. Só interessa o tão cobiçado primeiro lugar para atingir o centro das atenções e, assim, ganhar glória diante da opinião pública. Já quem busca a autoestima se interessa por outro tipo de literatura: a provocativa. Neste caso, outro tipo de mérito é almejado: utilizar a vida presente para fazer o máximo de benefícios existenciais, resultante de ações desinteressadas. Pensar nesses termos – pensar, pensar, pensar – gera mais confiança, mais convicção, permitindo que atuemos de acordo com aquilo em que acreditamos. A autoestima, portanto, corresponde a uma sensação íntima de bem-estar relacionada com termos sido capazes de executar alguma tarefa à qual nos propusemos. O que conta é a pessoa determinar para si uma tarefa e conseguir realizá-la. Autoestima tem a ver consigo mesmo. É estar feliz com o próprio desempenho.
Só quem tem autoestima considera a vaia como o aplauso dos descontentes, como diria Nelson Rodrigues. Os vaidosos preferem atalhos a travessias. Consideram todos os problemas como obstáculos. Caem no conto do vigário de que os remédios funcionam como belos coletes a prova de dor. Abafam as tristezas para só ostentarem alegrias. Vaidade depende apenas do mundo das aparências, ao passo que a autoestima depende da nossa essência. Essência que contém o bruto a ser lapidado com esmero, trabalho e dedicação, conforme conta Valdo Motta, no poema Cristo Baixo (1999): “a língua trava e as palavras mascam/no trabuco enguiçado, impotente./O corpo, esse vibra sob o impacto/da chuva horizontal de risos e vaias./Prossigo a via-crucis, crista baixa,/sem perder o rebolado, que amar gente/tem destas surpresinhas agradáveis./Daqui a pouco, taruíra, estarei/sarado dos arranhões, e, cabeçudo,/a me entornar de amor por todo mundo”.
Enquanto a literatura de autoajuda só se ocupa das delícias, promovendo o ‘novo’ pensamento positivo da vez, “a literatura de alta ajuda”, como salienta Francisco Bosco, possibilita ao leitor o autêntico enfrentamento da via árdua de seu processo negativo que o condenava a uma existência passiva. A potência de agir consistentemente edificada não costuma se dá pelo consolo fácil do pensamento positivo: “a autoajuda em nada ajuda nas situações que talvez sejam as mais críticas e decisivas da vida do sujeito. Nessas, só o que pode ajudar é a via angustiosa de um pensamento negativo”, adverte Bosco, em Alta ajuda (2012).
Quem lê Moby Dick (1851), escrito por Herman Melville, pela ótica da autoajuda, só o percebe como um livro de aventuras com a história do capitão Ahab, a bordo do Pequod, tentando caçar o imenso e temido cachalote branco. O livro é mais do que isso. Experimente lê-lo pelo viés da “alta ajuda”. Quando estava selecionando a tripulação, o capitão Ahab disse: “não quero em meu barco ninguém que não tenha medo de baleia”. É que uma pessoa sem medo pode ser imprudente. O medo nos protege. Mas, fica a pergunta: não é preciso ser corajoso para sair para o mar caçando baleias? Acontece que o capitão queria pessoas com medo, mas dispostas a enfrentá-lo. É a isso que se chama coragem. Os covardes são os que se deixam vencer pelo medo. Os corajosos avançam apesar dele.

* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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