Marcos Fabrício Lopes da Silva*
Por trás do fenômeno de vendas emplacadas pela
literatura de autoajuda, encontra-se uma tremenda confusão que se faz entre os
sentimentos de autoestima e vaidade. Adverte o músico e escritor Zeca Baleiro,
em Bala na agulha (2010): “o livro de
autoajuda e seus similares atropelam a individualidade dos cidadãos, nivelando
todos – por baixo – em uma grande massa humana, de comportamentos e atitudes
padronizados, sem levar em conta a complexidade própria da espécie: ‘Faça isso,
faça aquilo!’; ‘seja amável com o próximo’ etc etc etc. Nada que um humano com
o mínimo bom senso não devesse saber fazer com sua vida por sua própria conta e
risco. O que me inquieta é pensar como, através dos tempos, uma certa qualidade
de pensamento e da reflexão foi-se deteriorando, deteriorando, até chegar a
patamares inimagináveis de cretinice, de ‘baixeza’ mental, inversamente
proporcionais aos êxitos monstruosos das vendas desses tais livros e, pior, com
a adesão cada vez mais cega das pessoas. É como se um arrastão de mediocridade
fosse furando o cerco, minando a resistência crítica, como uma grande
devastadora onda, até ganhar adeptos entre mentes, senão brilhantes, pelo menos
‘pensantes’. E assim, vai se delineando o espírito de uma época”.
Considerando o que disse Baleiro, podemos afirmar
que a mediocridade está para a vaidade, assim como a resistência crítica está
para a autoestima. Os livros de autoajuda atuam na brecha íntima dos leitores
que sofrem de baixa autoestima e esperam se ver logo livres deste problema com
soluções simples e cômodas de sucesso. Com o ego massageado, o leitor tem a sua
vaidade alimentada por meio do cumprimento das doutrinas facilitadoras de
conforto, com a promessa de que nenhum esforço precisa ser feito para tal, a
não ser sua própria “força de vontade”. Basta, como destaca Baleiro, seguir
“fórmulas de felicidade e bem-estar” que “são repetidas como mantras em escala
industrial”.
Os leitores de literatura facilitadora preferem o caminho da vaidade que fortalece
o exibicionismo de plantão. A vaidade depende de observadores externos, pessoas
que nos aplaudam e nos admirem. A gratificação da vaidade depende de sermos
capazes de nos destacar. Desse modo, a literatura de autoajuda, com suas receitas
de sucesso, sustenta nosso complexo de pódio, nossa honra ao mérito narcisista.
Só interessa o tão cobiçado primeiro lugar para atingir o centro das atenções
e, assim, ganhar glória diante da opinião pública. Já quem busca a autoestima
se interessa por outro tipo de literatura: a provocativa. Neste caso, outro tipo de mérito é almejado: utilizar
a vida presente para fazer o máximo de benefícios existenciais, resultante de
ações desinteressadas. Pensar nesses termos – pensar, pensar, pensar – gera mais
confiança, mais convicção, permitindo que atuemos de acordo com aquilo em que
acreditamos. A autoestima, portanto, corresponde a uma sensação íntima de
bem-estar relacionada com termos sido capazes de executar alguma tarefa à qual
nos propusemos. O que conta é a pessoa determinar para si uma tarefa e
conseguir realizá-la. Autoestima tem a ver consigo mesmo. É estar feliz com o
próprio desempenho.
Só quem tem autoestima considera a vaia como o
aplauso dos descontentes, como diria Nelson Rodrigues. Os vaidosos preferem
atalhos a travessias. Consideram todos os problemas como obstáculos. Caem no
conto do vigário de que os remédios funcionam como belos coletes a prova de
dor. Abafam as tristezas para só ostentarem alegrias. Vaidade depende apenas do
mundo das aparências, ao passo que a autoestima depende da nossa essência.
Essência que contém o bruto a ser lapidado com esmero, trabalho e dedicação,
conforme conta Valdo Motta, no poema Cristo
Baixo (1999): “a língua trava e as palavras mascam/no trabuco enguiçado,
impotente./O corpo, esse vibra sob o impacto/da chuva horizontal de risos e
vaias./Prossigo a via-crucis, crista baixa,/sem perder o rebolado, que amar
gente/tem destas surpresinhas agradáveis./Daqui a pouco, taruíra,
estarei/sarado dos arranhões, e, cabeçudo,/a me entornar de amor por todo
mundo”.
Enquanto a literatura de autoajuda só se ocupa
das delícias, promovendo o ‘novo’ pensamento positivo da vez, “a literatura de
alta ajuda”, como salienta Francisco Bosco, possibilita ao leitor o autêntico
enfrentamento da via árdua de seu processo negativo que o condenava a uma
existência passiva. A potência de agir consistentemente edificada não costuma
se dá pelo consolo fácil do pensamento positivo: “a autoajuda em nada ajuda nas
situações que talvez sejam as mais críticas e decisivas da vida do sujeito.
Nessas, só o que pode ajudar é a via angustiosa de um pensamento negativo”,
adverte Bosco, em Alta ajuda (2012).
Quem lê Moby
Dick (1851), escrito por Herman Melville, pela ótica da autoajuda, só o
percebe como um livro de aventuras com a história do capitão Ahab, a bordo do
Pequod, tentando caçar o imenso e temido cachalote branco. O livro é mais do
que isso. Experimente lê-lo pelo viés da “alta ajuda”. Quando estava
selecionando a tripulação, o capitão Ahab disse: “não quero em meu barco
ninguém que não tenha medo de baleia”. É que uma pessoa sem medo pode ser
imprudente. O medo nos protege. Mas, fica a pergunta: não é preciso ser
corajoso para sair para o mar caçando baleias? Acontece que o capitão queria pessoas
com medo, mas dispostas a enfrentá-lo. É a isso que se chama coragem. Os
covardes são os que se deixam vencer pelo medo. Os corajosos avançam apesar
dele.
*
Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em
Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
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