segunda-feira, 7 de setembro de 2015

AS TRÊS PORTAS

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


A história nos ensina quais são os caminhos que estão fechados e que devemos manter fechados, porque vimos que esses caminhos não são bons. Há caminhos que se abriram para nós e nós percebemos que eles são bonitos. Queremos manter a porta aberta. E há caminhos que ainda não conhecemos e que temos que criar. Há porta que se fecha, há porta que se abre e há porta que tem que ser criada.

Sobre a porta que se fecha: que coisas queremos deixar fechadas para sempre, para que nunca mais se abram? Sem dúvida, a porta mais terrível que nós aprendemos da história: que nada de bom se constrói com a violência. Nós aprendemos isso. Porque construímos tanta coisa com violência e tudo desabou, causou mal. A violência das guerras, a violência das imposições religiosas, a violência dos conflitos raciais, a violência dos conquistadores, a violência dos poderes totalitários. Nada disso valeu a pena. 

Qual a porta mais bonita que nós precisamos abrir? É a porta da paz. Nós não construiremos paz sem profundidade existencial. Não construiremos paz sem atitude contemplativa. Não construiremos paz sem um pouco mais de simplicidade e de silêncio. A nossa sociedade precisa de um pouco mais de silêncio, menos barulho para deixar que a paz penetre em nossos corações. Precisamos também viabilizar uma cultura de paz com empenho político dedicado ao tratamento radical da violência que nos afeta. Como canta o grupo O Rappa: “Paz sem voz não é paz, é medo!”.

Outra porta importante para nós é a porta da solidariedade, da fraternidade. Se aspiramos a viver melhor, escolhamos o lugar de servir na causa do bem de todos. Por isso, fraternidade, em termos políticos, significa consciência cidadã, significa construir uma sociedade de igualdade, de melhor distribuição de renda, de emprego, de justiça, de honestidade. É isso que nós temos que construir. E que porta criar? É difícil dizer, porque se não criamos ainda, é o nada que está aí. Há um pensador, Jacques Delors – que fez um trabalho muito importante para a ONU – que disse que nós teremos que aprender quatro coisas: aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer, aprender a aprender.

Nós somos seres aprendizes até o último minuto de nossa vida. Como é importante que a gente entre mesmo na dinâmica, no processo educativo, para que saibamos captar as realidades mais profundas, que nos vão educando ao longo de nossa vida. Aprender a conviver é o maior dos desafios e o mais virtuoso. ‘Viver com’. Viver nós vivemos, desde que temos vida. Mas conviver significa encontrar o outro. Como diz Leonardo Boff: “ser uma rede, um nó de relações”. Nós seremos tanto mais gente, tanto mais humanos, quanto mais ampla for a nossa rede de relações.

Nós precisamos transformar este mundo. Ele não pode continuar assim. Nós temos que olhar quais os caminhos novos a construir, que perspectivas novas temos que abrir. Não só perpetuar o já existente, não só manter as portas abertas daquilo que conhecemos ou fechar aquelas que devemos fechar, mas criar novas portas, novas iniciativas. Para tanto, aprender a ser é fundamental. Nós, infelizmente, estamos mergulhados no mundo do ter e esquecemos o mundo do ser. Em “Oração do Milho” (1965), a poeta Cora Coralina (1889-1985) chama nossa atenção para a dinâmica da humildade como experiência ética e desapegada do instinto materialista: 

“Senhor, nada valho./Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres./[...]/Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo/e de mim não se faz o pão alvo universal./O Justo não me consagrou Pão de vida, nem/lugar me foi dado nos altares./Sou apenas o alimento forte e substancial dos que/trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre./Sou de origem obscura e de ascendência pobre,/alimento de rústicos e animais do jugo./[...]/ Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão/do eito./Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante./Sou a farinha econômica do proletário./Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam/a vida em terra estranha./Alimento de porcos e do triste mu de carga./O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro./Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos/paióis./Sou o cocho abastecido donde rumina o gado./Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que/amanhece./Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos./Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,/que me fizestes necessário e humilde./Sou o milho”.

Os versos de Cora Coralina podem ser identificados como uma alegoria a favor da humildade. Humildade representa as coisas mais simples e ingênuas, mas também as maiores complexidades. Para alguns é sinal das fraquezas humanas, para outros, a mais sublime das virtudes. Etimologicamente, humildade vem do latim humus, de onde também deriva Homem e Humanidade. O fato dessas palavras estarem vinculadas à húmus, é certamente uma sábia exortação de que mantemos com a terra um vínculo eterno e embrionário. Reconhecer e aceitar essa verdade é não somente um princípio elementar de ecologia profunda, mas uma apologia ao valor e à lição da humildade. 

Se a humildade está relacionada com solo fértil e produtivo, talvez a ostentação, a luxúria e o esnobismo representem o oposto disso e, portanto, não passem de terra desgastada e empobrecida, talvez simples cascalho. Devo fazer uma última observação sobre a etimologia de humildade: além de húmus, como vimos, esta palavra também estar relacionada ao termo grego homo, com o sentido de unidade e integridade. Um homem íntegro prefere o saber relativo ao poder absoluto, opta em colaborar, ao invés de vorazmente competir. Como já dizia o filósofo inglês John Locke (1632-1704): “todo o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente". Quando você adora o poder, quer o mundo inteiro para si, você exclui todos. 


* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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