Marcos Fabrício Lopes da
Silva*
Em matéria de identidade
futebolística, meus valores foram construídos, enquanto torcedor da Seleção, a
partir do momento em que vi Dunga e Romário jogarem no mesmo time que ganhou,
pelo Brasil, a Copa do Mundo de 1994, que foi disputada nos Estados
Unidos. Do elenco tetracampeão, quis
destacar estes atletas porque penso que eles representam filosofias bem
distintas, sendo que ambas integram o mundo da bola e inspiram os nossos
modelos de liderança.
Capitão daquele time, Dunga,
ícone do futebol-força, representou a liderança eficiente. Rígido em seu
posicionamento tático, obediente ao comando técnico, o gaúcho de Ijuí tinha
como meta vigiar a criatividade alheia para recuperar a posse de bola a favor
do seu time. Antes destruir a jogada do rival do que construir o próprio jogo –
era o estilo do meia desarmador. Se preciso for, ele dava “carrinho” ou jogava
a “bola pro mato”, pois “o jogo é de campeonato”. Forte, no caso dele, não era
o drible inspirado, mas a disposição transpirada de correr o campo inteiro,
como um verdadeiro “cão-de-guarda”, que seguia à risca o seguinte mandamento:
“a bola é minha, e ninguém tasca”. O outro era sempre considerado um adversário
a ser combatido, já que o importante, para o capitão, era competir com a
obrigação de sempre ganhar. Longe de ser um maestro, Dunga foi um exemplar
carregador de piano, uma formiguinha a serviço do trabalho coletivo. As boas
maneiras ficavam de lado quando a perfeição não era atingida. Dunga não
dispensava palavrões e nunca foi de meias palavras. Jogava de cara feia para
impor respeito. Sua marca registrada era a indignação constante simbolizada
pelos punhos cerrados e braços agitados, seja para comemorar, seja para
protestar. Não era um craque e sim um atleta esforçado, um batalhador. Como
meio-campista, distribuiu muito mais a bola do que arriscou passes
decisivos. Compensava a falta de talento
com a raça proclamada aos quatro ventos como virtude dos guerreiros.
Diante de tais características
do mencionado atleta, podemos concluir que os fundamentos do “Paradigma Dunga”,
tributário ao estilo ludopédico europeu (frio no temperamento esportivo,
estratégico na articulação das jogadas e voluntarioso fisicamente), apresenta
os seguintes valores: a) a liberdade só é bem-vinda quando nela há disciplina;
b) a criatividade deve servir ao bom funcionamento do sistema; c) a
responsabilidade coletiva deve iluminar o talento individual; d) o estímulo do
hábito de planejar sempre para jamais correr riscos; e) o incremento da
habilidade inventiva com o desempenho físico ideal; f) a supremacia da
obediência tática em detrimento do improviso lúdico; g) o drible como último
recurso, devendo ser privilegiado o passe certo e eficiente.
Se Dunga era a formiguinha
operária, o Baixinho fazia o papel de cigarra. Vamos ao “Paradigma Romário”, o
craque foi um dos maiores artilheiros da história do futebol mundial, com 1.003
gols. Sua meta era balançar as redes do adversário e não evitá-los. De talento
raro, o atacante carioca da gema tinha habilidade com as duas pernas, além de
ser autor de dribles desconcertantes e gols sensacionais. Genial e genioso, gostava
de construir obras antológicas e driblar a marcação destruidora dos opositores
do seu talento magistral. Mesmo com pouca estatura, sabia cabecear como poucos,
pois tinha uma impulsão incrível. Entre dois grandalhões suecos, por exemplo, o
baixinho ficou parado no ar como beija-flor e testou a bola para o fundo da
rede adversária, classificando o time canarinho para a final da Copa do Mundo
de 1994, que venceríamos da Itália, nos pênaltis. Quando jovem, o nosso “Macunaíma
de chuteiras” concentrava suas jogadas na explosão muscular responsável por
arrancadas certeiras. Experiente, com esperteza e malandragem, enquanto os
outros se matavam para correr atrás da bola, a bola corria atrás do craque,
graças ao posicionamento preciso em campo e ao poder de fogo calibrado que o
fizeram o “rei da grande área”. O artilheiro não era de correr, porque conhecia
como poucos os atalhos do campo de jogo. Irreverente e polêmico, ora bad boy topetudo, ora peixe camarada, Romário exercia em campo
uma liderança desobediente, marcada pela individualidade autoconfiante, avesso
às concentrações e à rotina de treinamentos.
O futuro reservou a Dunga a oportunidade
de ser treinador da Seleção Brasileira. Estilo linha dura, assim como no campo, Dunga costuma soltar os cachorros,
ao se sentir ameaçado ou não pelos oposicionistas. Ele, alvo de críticas
recorrentes, sofre de um certo grau de vitimização, lidando, muitas das vezes,
mal com o pensamento divergente. Bem que o capitão do tetra poderia aprender
com a filosofia descontraída do seu companheiro de seleção, Romário: "Quem precisa ter boa imagem é aparelho de TV". Coube a Romário o exercício do mandato de
Deputado Federal (PSB-RJ), comportando-se como ferrenho crítico da CBF, da Fifa
e do Governo Federal, quanto à organização da Copa do Mundo, no Brasil.
Contraditório, o Baixinho participou da campanha publicitária das Havaianas, em
clara referência à promoção do referido evento esportivo. Flexibilidade ou
incoerência? Na hora da razão, somos um; na hora da emoção, somos outro – assim
se comporta a liderança cordial à maneira de Romário, agora Senador da
República. Dunga prefere a linha da liderança disciplinadora e coerente. Rígida
demais, por vezes. Duas formas de ser que demonstram um Brasil dual ou ambíguo
por natureza.
* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
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