quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O BEM E O MAL

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Tendo em vista uma vida sadia para o indivíduo enquanto corpo social, a capacidade de pensar por si, isto é, exercer raciocínio próprio, é o degrau mais almejado e desejável à condição humana. Somente a educação criativa poderá produzir uma comunidade mais sociável, por levar em conta prioritariamente a formação do senso crítico na pessoa, possibilitando-lhe maior discernimento na escolha de melhores respostas aos seus dilemas e de material mais adequado a preencher o vazio d’alma, esse vácuo interior concernente a sua razão de existir, excluindo do recheio as superstições primitivistas que insistem em não largar a humanidade.

Moeda rara entre os homens, a gratidão, por ser fruto do amor e uma das mais nobres virtudes, deveria ser mais cultivada, porque ela nos conduz à felicidade. Riqueza de emoções, altruísmo, grandeza de espírito, preconizam a gratidão. Hoje, tal como ontem, a ingratidão tem sido a tônica de nosso comportamento, algo ‘‘natural’’ nas relações afetivas, sociais, numa agressão aos princípios éticos. Quantas vezes agradecemos, por dia, as incontáveis dádivas que recebemos? Conseguimos perceber os menores benefícios amealhados, até mesmo o contributo da dor que nos desperta os verdadeiros valores da existência? Já paramos para pensar e refletir que a ingratidão é grave imperfeição da alma e que deve ser banida do nosso eu? Que o ingrato é um enfermo em potencial e que esta chaga moral nos debilita social e afetivamente? A gratidão é uma expansão da alma humana, que denota a condição moral e evolutiva de cada ser. O amor se expande através da gratidão. ‘‘Evitai que alguém retribua a outrem mal por mal; pelo contrário, segui sempre o bem entre vós e para com todos/(...)/Em tudo, dai graças’’ – Primeira Epístola de Paulo aos Tessalonicenses (1Ts 5,15.18).

A busca pelo bem-estar coletivo deve ser a meta maior de toda a sociabilidade orientada por laços solidários. A respeito, o jornalista Claude Julien, em O suicídio das democracias (1972), ressalta: ‘‘Riqueza e poderio figuram entre os objetivos de todas as sociedades humanas, mas não deveriam ser os objetivos prioritários de uma sociedade democrática: para ela, o essencial habita a liberdade, a igualdade, a justiça, a fraternidade –, que não serão jamais simples subprodutos da expansão econômica’’. 

Imagine: do “inferno” para os “céus”, “voou” o Brasil desde então. Tudo resultou do recorrente e mágico sonho coletivo de um povo cansado de sofrer. Um povo que, revoltado com tanto sacrifício e tanta humilhação, corajosamente decidiu arrancar os grilhões e romper a inércia para construir um futuro melhor para si, seus filhos e seu País. Portanto, um povo que, em êxtase coletivo, como o laureado Octávio Paz, questionou se ‘‘não teria sido melhor transformar a vida em poesia em vez de fazer poesia com a vida?’’. Concluiu que sim. Assim terminaria a hipotética história ou a saga que, espera-se, ainda representará a realidade do Brasil. Utopia pensar assim? Por que não acreditar em dias melhores? O poeta Ronaldo César Bueno Machado, em Livrerdade (2013), aponta um caminho inicial para a transformação positiva se concretizar efetivamente: “O idealismo está dentro de cada um, e lógico,/diferente um do outro, senão que graça teria?/Mas aprender a desbanalizar o banal,/já um bom começo seria”.  

Com o desenvolvimento intelectual e domínio da inteligência, o homem adquiriu visão crítica. A par das conquistas do saber, exige respostas lógicas e base racional ao entendimento. As mudanças de ordem material e transcendente intensificam-se em função do avanço tecnológico e das condições psicológicas da população. Não as assimilando, as pessoas ficam perplexas e inseguras, refletindo-se o caos interior no descaso pela miséria moral e material; na obsessão por armas e na banalização da violência, que se irradia dos aglomerados urbanos para o campo e os grotões. 

No seio da humanidade perplexa, insegura e ignorante do seu papel, eclode a guerra fratricida. A fome muda o traçado geográfico, e extrapola limites de países e continentes. Multiplica-se o contingente de órfãos da ganância de consciências movidas a ouro e orgulho. Ignora-se o sagrado direito de pensar e cultuar a divindade conforme seja percebida, sendo ele cerceado por atitudes inquisitórias de triste lembrança. Preconceito, perseguições ideológicas, religiosas e étnicas ameaçam de extinção raças e culturas em grande parte do globo. 

Escasseia-se enfim, o respeito à vida. Um dos grandes vilões das aspirações por uma sociedade harmônica e equilibrada é o materialismo exacerbado. Ele opõe-se aos impulsos incipientes de fraternidade por meio do egoísmo pragmático e do consumismo desenfreado. Vende-se tudo: imagem, escândalo, tragédia, status, sexo, ilusão, desperdício, modismo; o rol de produtos é infinito. No rastro dos negócios a mídia injeta sensacionalismo a granel. O chavão ‘‘progressista’’ vira sinônimo de lucro e autoafirmação. Pessoas públicas ou à cata de notoriedade posicionam-se a favor de ideias mirabolantes para ficarem em evidência; ninguém se preocupa com a influência delas sobre fãs e seguidores. 

Urge o reexame, a defesa e a prática efetiva de valores que assegurem a dignidade e a felicidade do ser humano. Uma reflexão inicial, sem preconceitos radicais ou limitações mesquinhas, leva à ideia de que toda aspiração do homem, embora partindo de pontos de vistas diversos, chega a um ponto comum: o supremo bem, que transcende a materialidade do ser. Dessa forma, podemos chegar à conclusão axiológica - “raiz de todas as regras de conduta do homem” – e princípio básico da moralidade: “o bem deve ser praticado e o mal deve ser combatido”.


* Professor das Faculdades JK e Ascensão, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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