quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O VALOR DO AMANHÃ

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Nos tempos da Revolução Francesa, os filósofos juravam que a ciência iria resolver todas as iniquidades da desigualdade social, mas hoje constatam que, mesmo com benefícios favoráveis para a vida, ao mesmo tempo dela se afasta e torna-se cativa das minorias. Hoje, ele pode sentir que o progresso dos “civilizados” está muito longe dos despossuídos, pois não está ao alcance de um povo que jamais figurou na agenda das elites governantes. É verdade que, graças aos instrumentos miraculosos da ciência e da tecnologia, estamos vivendo dias vertiginosos e trepidantes. Albert Camus, que, em O mito de Sisifo (1947), gritava para quem quisesse ouvir: “Antes tratava-se de saber se a vida para ser vida devia ter um sentido. Hoje, parece que ela será vivida se não tiver um sentido nenhum”. O que será o amanhã? 

Um filósofo respeitável, Giovani Reale, italiano, falou com entusiasmo de Mikhail Gorbachev e sua perestróika, que levaria à derrocada o estado totalitário soviético. Garanto que o filósofo não chegou a imaginar que teríamos a ditadura do capital globalizado. Hoje vivemos um 1984 (George Orwell) controlado pela corrupção, marca registrada do mercado sem alma. Sabe? Tem um tal de Leopardo de Lampeduza que decretou: “É preciso mudar tudo para que tudo permaneça como antes”. O tempo implacável derrubou vidas e estátuas de Hitler, Stálin, Mussolini e tantos déspotas, no controvertido século XX. Mas o que eles faziam se repete hoje, mesmos nos chamados sistemas de governo que se denominam democráticos. 

Logo após a derrubada do Muro de Berlim (1989), Francis Fukuyama publicou O fim da história e o último homem (1992), citando ao mesmo tempo Hegel e Marx, e doutrinando que a evolução das sociedades humanas não era ilimitada, mas que teria um fim, quando se chegasse a uma forma de sociedade que pudesse satisfazer suas aspirações mais sentidas e fundamentais. Cada qual à sua maneira. Hegel dizia que o fim da história iria desembocar no estado liberal, ao passo que Marx nela só acreditava mediante a implantação da sociedade comunista.

Se Herbert George Wells conceituava que “a história da humanidade torna-se cada vez mais uma corrida entre o saber e a catástrofe”, o que fazer? Historicamente, plebeus, escravos, carentes e excluídos são as grandes vítimas. O historiador e crítico social Arthur Schlesinger Jr., em 1992, alertou que, nem mesmo no império norte-americano, o mercado dará para todos escolas, hospitais, casas, comidas, escola, emprego, nem protegerá o meio ambiente. Quem pode esquecer as loucuras praticadas pelo governo de George W. Bush, que agiu sempre em nome da liberdade? A ferro e fogo, ele implantaria a “pax americana”, usando armas sofisticadas no lugar do big stic (política do porrete) do velho Theodore Roosevelt. 

Robert Michels, filósofo alemão e estudioso de partidos políticos, colocava: “uma vez no poder, as organizações partidárias fazem de tudo para permanecer nele”. E esse “tudo” representa a perda da aura de partido primado pela ética. Em um estado de boas intenções e defesa do interesse coletivo, o poder público reúne talentos para implementar boas propostas, sem sectarismos. Esse é o ensinamento clássico da política grega, reforçado pelos ideais iluministas e pelo humanismo de hoje. A beleza da política está em que só por ela se pode transformar o mundo. Mas alguém poderá dizer aos nossos políticos que a oratória (discurso) sempre foi considerada arte inferior. Ela representa as “mentiras que o povo gosta em época de eleição”, como diz ironicamente o cordelista Antonio Barreto. 

Ruy Barbosa, quando era ministro da Fazenda (1890), resumia Von Misses: ‘‘Se a corrente monetária incide primeiro sobre salários, a privação compulsória recai sobre as classes produtoras e acabam se traduzindo em descapitalização’’. Um pobre País rico, como o Brasil de hoje. “Quando o rico geme/o pobre é que sente a dor”, adverte, com humor afiado, o poeta João Martins Ataíde. Esse cenário desastroso não está muito longe de mostrar-se visível, porque seu desenho já está adiantado. Não é expectativa de catastrofistas, mas realidade composta pela imprevidência gananciosa de uns, submissão cega de outros, incorreção insensível de muitos e alheamento geral. Na realidade, a desigualdade tem mil garras e parece dizer com o funk “tá tudo dominado”. Uma luz no final do túnel ainda teima em insistir. O beco sem saída não chama realidade, mais mesmice trágica. É possível dar a volta por cima, sem passar a perna em ninguém. Isso se chama dignidade, momento máximo da esperança e da ética. 

Será que, diante da difícil realidade, só nos resta criar um mundo imaginário, no qual podemos realizar nossos sonhos, a exemplo de Pasárgada, terra inventada pelo poeta Manuel Bandeira? Fica, entretanto, a questão de como viabilizar a utopia de um mundo político menos imperfeito e mais produtivo, que, ao mesmo tempo, conviva com suas lavas vulcânicas como ganância, corrupção, sede de se manter no poder e mau-caratismo sempre em efervescência e prontas para jorrar. Sobre o valor do amanhã, norte de um fazer político transformador, eu fico com a beleza da proposta musical de Guilherme Arantes: 

“Amanhã!/Será um lindo dia/Da mais louca alegria/Que se possa imaginar/Amanhã!/Redobrada a força/Pra cima que não cessa/Há de vingar/Amanhã!/Mais nenhum mistério/Acima do ilusório/O astro rei vai brilhar/Amanhã!/A luminosidade/Alheia a qualquer vontade/Há de imperar!/Há de imperar!/Amanhã!/Está toda a esperança/Por menor que pareça/Existe e é pra vicejar/Amanhã!/Apesar de hoje/Será a estrada que surge/Pra se trilhar/Amanhã!/Mesmo que uns não queiram/Será de outros que esperam/Ver o dia raiar/Amanhã!/Ódios aplacados/Temores abrandados/Será pleno!/Será pleno!” (Amanhã, 1977).

* Professor das Faculdades JK e Ascensão, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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