quinta-feira, 12 de novembro de 2015

EDUCAÇÃO E CONHECIMENTO

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Formado por conceitos, leis ou teorias e a partir de experiências sensoriais específicas, o conhecimento se revela como a compreensão, teórica ou prática, de um assunto, uma arte, uma ciência, uma técnica. Representa o processo humano dinâmico de justificar a crença pessoal com relação à “verdade”. O conhecimento diz respeito a crenças e compromissos; é função de atitude, perspectiva ou intenção específica; está sempre relacionado à ação, diferente da informação. O conhecimento diz respeito ao significado, pois é específico ao contexto e relacional.

Consiste o conhecimento em uma atitude de investigação constante sobre os fenômenos materiais e imateriais que perfazem nossa existência no mundo. Revela-se como atitude especulativa que favorece o casamento pleno entre razão e sensibilidade. Como a metáfora trazida pela escritora Marina Colasanti, em Fragatas para terras distantes (2004), conhecer é ter “um espelho para dentro”. Mas, a que tipo de espelho ela se refere? Com a palavra, a autora: “E o meu espelho – ah, isso eu sentia como muitíssimo importante – haveria de refletir menos as coisas em si do que o avesso das coisas, a sua face guardada, lado escuro da Lua, reverso de tapete, lado de dentro da casca, da concha, da rocha, da pele”. Conhecer, portanto, é aprender com o direito e o avesso da vida. Assim, o conhecimento melhor se revela como uma mistura fluida de experiência condensada, valores, informação contextual e insight experimentado, a qual proporciona uma estrutura para a avaliação e incorporação de novas experiências e informações. 

Conhecer não se resume a comprar livros. O livro foi feito para ser lido. Adverte-se, porém, em Eclesiastes: “Escrevem-se livros sem fim e o estudo continuado é a fadiga da carne” (Ec 12. 12). O escritor e médico Moacyr Scliar, no livro Do jeito que nós vivemos (2007), foi categórico ao afirmar que “criar um comprador é questão de mercado. Criar um leitor é questão de educação, um processo que começa em casa quando os pais leem para os filhos pequenos, continua na escola, no círculo de amigos, na universidade. Qual a diferença nos dois processos? A intensidade do vínculo emocional”. O conhecimento demanda formação continuada, mas também exige de nós coleta seletiva para um melhor processamento de dados e informações. Afinal de contas, o que significa compreensão? Compreender pede, ao mesmo tempo, poder de síntese e saber de análise, ambos comprometidos com a expansão autêntica da nossa capacidade crítica, sem apelar para modismos.  

Compreender a escola como unidade epistemológica de ensino e aprendizagem requer esmero pedagógico, tanto teórico como prática, no tocante ao oferecimento de condições lúcidas e lúdicas para a excelência dos processos de alfabetização e letramento. A respeito, a professora Magda Soares esclarece que alfabetizar corresponde à ação de ensinar a ler e a escrever, enquanto o letramento se apresenta como o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e a escrever. Nas palavras da estudiosa, expressas no livro Letramento: um tema em três gêneros (1998): “alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado”. Por isso, costumo dizer que quero ser alfabetizado e ômegabetizado. Temos direito à “formação integral”, conforme defende o filósofo Friedrich Schiller, em Cartas sobre a educação estética do ser humano (1791-1793). 

A experiência estética através da beleza modera a vida, permitindo a passagem das sensações aos pensamentos, proporcionando a forma ao sensível, reconduzindo o conceito à intuição e a lei ao sentimento. A educação estética deve permitir experimentar aquele jogo de equilíbrio entre a razão e a sensibilidade. Na proposta de Schiller, a ética e a estética convergem porque a estética mantém o equilíbrio do indivíduo de tal maneira que, graças ao domínio “racional” das pulsões, além de aspirar a um estado estético, o ser humano pode chegar ao estado político, que é a garantia da autonomia. 

Pelos caminhos emancipatórios da arte, podemos compreender o valor da alfabetização, por meio da divertida canção chamada ABC do Sertão (1953). Eis a composição feita por Zé Dantas e Luiz Gonzaga: “Lá no meu sertão pros caboclo lê/Têm que aprender um outro ABC/O jota é ji, o éle é lê/O esse é si, mas o érre/Tem nome de rê/Até o ypsilon é pssilone/O eme é mê, O ene é nê/O efe é fê, o gê chama-se guê/Na escola é engraçado ouvir-se tanto ‘ê’/A, bê, cê, dê,/Fê, guê, lê, mê,/Nê, pê, quê, rê,/Tê, vê e zê”. Em relação ao letramento, como conjunto de conhecimentos adquiridos pelo estudo, a escola dos nossos sonhos tem seu Projeto Político Pedagógico inspirado na fabulosa canção Cada lugar na sua coisa (1976), composta por Sérgio Sampaio: “Um livro de poesia na gaveta não adianta nada/Lugar de poesia é na calçada/Lugar de quadro é na exposição/Lugar de música é no rádio/Ator se vê no palco e na televisão/O peixe é no mar/Lugar de samba enredo é no asfalto/Lugar de samba enredo é no asfalto/Aonde vai o pé arrasta o salto/Lugar de samba enredo é no asfalto/Aonde a pé vai se gasta a sola/Lugar de samba enredo é na escola”.

Promotora do conhecimento, a educação precisa se concentrar na formação da personalidade do educando, tanto do ponto de vista físico quanto ético, oferecendo-lhe consciência de seu papel na sociedade para o exercício da cidadania e ministrando-lhe os ensinamentos exigidos para facilitar o acesso aos postos de trabalho, humanizando-os inteligentemente, uma vez que o sistema de produção se encontra perigosamente mais automatizado. 


* Professor das Faculdades JK e Ascensão, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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