sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O MASSACRE DE BRASÍLIA

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


No dia 15 de outubro, foi comemorado o Dia do Professor, data em que se homenageia os responsáveis pelo desenvolvimento da educação e do conhecimento no país, abrangendo um escopo de profissionais que trabalham desde a educação infantil até o ensino superior universitário. Como todos sabemos, trata-se de uma das mais importantes profissões praticadas no mundo, afinal, sem ela, a transmissão de conhecimentos e a correta apreensão destes pelas pessoas seriam praticamente impossíveis.

A origem do dia do professor se deve ao fato de, em uma data de 15 de outubro, o Imperador D. Pedro I ter instituído um decreto que criou o Ensino Elementar no Brasil, em 1827, com a criação das escolas de primeiras letras em todos os vilarejos e cidades do país. Além disso, o decreto estabeleceu a regulamentação dos conteúdos a serem ministrados e as condições trabalhistas dos professores.

Tempos depois, mais precisamente no ano de 1947, o professor paulista Salomão Becker, em conjunto com três outros profissionais da área, teve a ideia de criar nessa data um dia de confraternização em homenagem aos professores. Mais tarde, em 1963, a data foi oficializada pela lei Decreto Federal 52.682, que, em seu Art. 3º, diz que “para comemorar condignamente o dia do professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo delas participar os alunos e as famílias”.

Sabe qual é o presente que o Governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), oferece aos professores, em pleno mês comemorativo de uma profissão tão honrada? “Pau, pão e pano”. Foi com essa orientação “proverbial” que o jesuíta italiano André João Antonil, em Cultura e opulência do Brasil (1711), ressaltou a importância do trabalho escravo no Brasil, chegando a criar uma metáfora que lembra a concepção aristotélica “naturalizada” acerca da “complementariedade dos interesses” entre senhor e escravo: “os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente”. 

Os conselhos de outro jesuíta de origem italiana, Jorge Benci, expressos no livro Economia cristã dos senhores no governo dos escravos (1700), deixam transparecer claramente o castigo corporal como peça-chave para a manutenção das relações entre senhor e escravos: “haja açoites, haja correntes e grilhões, tudo a seu tempo e com regra de moderação devida; e vereis como em breve tempo fica domada a rebeldia dos servos; porque as prisões e açoites, mais que qualquer outro gênero de castigos, lhes abatem o orgulho e quebram os brios”. 

A persistente mentalidade escravocrata toma conta da gestão de Rodrigo Rollemberg. Autoritário, o ditador, na pele de democrata, investiu, covardemente, a política militar repressiva contra os professores da rede pública de ensino do Distrito Federal. Assim, o dia 28 de outubro de 2015 entra para a história como um dos capítulos mais horrendos da má educação brasileira. O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) usou gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha para censurar os manifestantes que estão insatisfeitos com o não cumprimento da lei do reajuste salarial por parte do GDF. Em vídeos divulgados pela TV e pela Internet, registrou-se uma série de abusos de poder cometidos pelas autoridades policiais que se fizeram valer do uso viril da força humana e armamentista para amedrontar professores no Eixo Rodoviário Sul. Sofrendo danos físicos e morais, educadores foram algemados e levados presos à Delegacia, onde sofreram humilhações de todo o tipo por parte dos ‘agentes de segurança pública’. Rasgou-se mais uma vez a Constituição Federal de 1988, considerando as prerrogativas legais e democráticas consubstanciadas, por exemplo, na defesa da dignidade humana, da liberdade de expressão e da manifestação de greve. Continua tendo razão de sobra o saudoso músico Sérgio Sampaio, em Polícia, bandido, cachorro, dentista (2006):

“Eu tenho medo de polícia, de bandido, de cachorro e de dentista/Porque polícia quando chega vai batendo em quem não tem nada com isso/Porque bandido quase sempre quando atira não acerta no que mira/Porque cachorro quando ataca pode às vezes atacar o seu amigo/Porque dentista polícia minha boca como se fosse bandido/Porque bandido age sempre às escuras como se fosse cachorro/Porque cachorro não distingue o inimigo como se fosse polícia/Porque polícia bandideia minha boca como se fosse dentista”.

A mídia irresponsável compôs o tripé ditatorial, ao lado do GDF e da PM, estigmatizando os educadores como “radicais” (extremistas) e bancando versões hegemônicas e cínicas, do tipo: “os profissionais da educação entram em confronto com o Batalhão de Operação Policiais Especiais (BOPE)”. Ainda na matéria “Brasília sitiada”, os repórteres Thiago Soares, Isa Stacciarini e Bernardo Bittar, destacaram, no Correio Braziliense, de 29/10/2015, que “professores em greve fecham as principais saídas da cidade, além da Rodoviária do Plano, e provocam caos no trânsito”. Mais uma vez, foi reforçada a injusta imagem de professores grevistas como vândalos e baderneiros que põem risco a ordem pública e o bem-estar social. 

Historiador formado pela Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Rollemberg preferiu ouvir Thomas Hobbes a Paulo Freire. Fez do seu governo uma espécie de monstro – o Leviatã – que concentra todo o poder em torno de si, ordenando, com mãos de ferro, todas as decisões da sociedade. Nem que, para isso, sob o álibi de fazer uso legítimo da força, enquanto prerrogativa de um Chefe de Estado para manter a ordem social, sejam convocados os instintos escravocratas e ditatoriais para promover a pedagogia do oprimido em detrimento da pedagogia da autonomia


* Professor das Faculdades JK e Ascensão, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

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