segunda-feira, 4 de julho de 2016

FERNANDO BRANT, CRÍTICO DA IMPRENSA

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Toda atividade crítica é logo entendida no sentido de corrigir, constatar e suprir erros e deficiências. Muito além da idéia de criticar para progredir, o media criticism nasceu com o sentido de resgatar a função social dos meios de comunicação, que muitas vezes é esmagada por deslizes éticos cometidos ilimitadamente pelos media. Nesse contexto, surge a essência da expressão media criticism – ou crítica da mídia –, onde a existência desses críticos é importante quando o direito à informação não é direcionado em seus múltiplos sentidos: os veículos informando ao público e o público se informando sobre os veículos. 

No texto "Media Criticism: um espaço mal-dito" (1982), Alberto Dines argumenta que o crítico deve abnegar um espaço de destaque na profissão para que sua vigilância não esteja presa aos limites das organizações: "Ridicularizaram, criticaram, desmascararam jornais, jornalistas ou desempenhos jornalísticos que em sua ótica estava errados. Mas não feriam a estrutura nem o processo como um todo [...]. O media critic não pode focalizar desempenhos ou comportamentos sem enquadrar a estrutura que cria, estimula e orienta tais desempenhos ou comportamentos [...]. O media critic que bombardeia áreas sensíveis de determinado veículo ganha fatalmente o estigma de maldito pelo resto da instituição [...]. O media critic deve capacitar-se de que é um maldito, um renunciante, abrindo mão de um lugar ao sol no establishment. Caso contrário, suas posições serão mal-ditas, isto é, levianas".

A imprensa é, portanto, um importante elemento de mediação. Isto porque é, ao mesmo tempo, uma força política da sociedade, como também uma interlocução com o poder na função de fiscalizar a prática deste, alertando a população, a quem idealmente esta serve, dos abusos cometidos e privilégios praticados que não em benefício da sociedade. Logo, é intrínseco a ela reconhecer as vozes do público e dar a ele espaço para exercer sua cidadania. Porém, se a imprensa – que tem como principais funções intermediar as relações de poder, fiscalizar as forças da sociedade e informar os cidadãos de forma independente – está comprometida com os interesses privados, que órgão haveria de regular o exercício da própria imprensa para que o seu fim fosse, efetivamente, alcançado, e garantisse ao leitor seu papel também de cidadão?

Se de um lado a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt defendia que “a comunicação cuida da assimilação dos homens, isolando-os” e “todos os meios de comunicação altamente desenvolvidos só servem para fortalecer as barreiras que separam entre si os seres humanos”, Jürgen Habermas rompe com essa perspectiva e propõe o conceito de “ação comunicativa”. Ele defende, como alternativa, a “fabricação de opiniões”, a reinvenção do espaço público no fazer comunicação com a extensão da participação da sociedade, numa “razão comunicativa, de natureza intersubjetiva, que se constitui no curso da interação social entre os homens”. A razão comunicativa de Habermas retira a mídia da sua condição exclusivamente de manipulação e emancipa o receptor da condição de alienado, abrindo a questão às mediações e reinventando o sujeito.

As teorias da recepção inserem no debate as condições sociais de produção de sentido, tendo a “informação como processo de comportamento coletivo e os conflitos de interesse em jogo na luta por produzir, acumular ou veicular informações e, por conseguinte, os problemas da desinformação e do controle”. Entra em jogo a perspectiva de um receptor produtor de sentido. Insere-se o conceito de criticidade por parte do sujeito e de elementos mediadores, de ressignificação da cultura e do indivíduo. Dá-se lugar às relações constituídas nas relações, sendo o espaço dos meios de comunicação elemento estratégico num processo de negociação de sentidos.

Nesse sentido, a responsabilidade das mídias é enorme, mas, como estão muitas vezes comprometidas com interesses e valores pessoais – como a maioria está organizada em conglomerados de empresas privadas – escapam à defesa dos direitos dos cidadãos na comunicação e utilizam a sua força para abastecer sistemas de significação e representação cultural, em detrimento do exercício real da cidadania e da democracia. A respeito, o saudoso compositor e cronista mineiro, Fernando Brant (1946-2015) se apresentou arrojadamente como crítico da mídia, no texto “O lixo”, publicado no jornal Estado de Minas, de 24/02/2010: 

“Pensando no lixo, entro no mundo do lixo. Os detritos mais asquerosos estão nos jornais de todos os dias, que escancaram injustiça, violência, corrupção, mentiras, preconceitos. A desumanidade impera nas páginas. Ou então, essas se calam diante dos poderosos, aceitando passivamente a mentira, a ignorância e idiotia de mitos fabricados para enganar a maioria. O que vale para a imprensa escrita se multiplica quando assistimos aos meios audiovisuais. E as opiniões descabeladas que circulam pela rede digital? Será que o país foi sempre assim, desmiolado e sem qualidades, incapaz de pensar e produzir ideias, políticas, obras e espetáculos inteligentes?

É bom então que eu jogue ao lixo esses cadernos jornalísticos imprestáveis. E que emudeça o televisor, jogue fora o controle remoto, que nos oferece um circo de horrores e mau gosto. Parar de gastar o tempo de viver com o que não é essencial. Aproveitar o dia e a vida.

Não sei por onde anda meu companheiro de peladas de rua que, adolescente, encontrei trabalhando num caminhão de lixo. Pensando nele e nos profissionais da boa limpeza urbana, gostaria que houvesse, também, um serviço de coleta de porcarias culturais, políticas e sociais.

Enquanto esse sonho não se realiza, entro em meu refúgio e mergulho em leitura e releitura de Guimarães Rosa. Isso, sim, um luxo”.


* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

Nenhum comentário:

Postar um comentário