Marcos
Fabrício Lopes da Silva*
Uma escola sem partido está muito longe de uma
educação democraticamente orientada. A educação moral pode ser um âmbito de
reflexo que ajude a: detectar e criticar os aspectos injustos da realidade
cotidiana e das normas sociais vigentes; construir formas de vida mais justas,
tanto nos âmbitos interpessoais como nos coletivos; elaborar autônoma, racional
e dialogicamente princípios de valor que ajudem a julgar criticamente a
realidade; conseguir que os jovens façam seus aqueles tipos de comportamentos
coerentes com os princípios e normas que pessoalmente construíram; fazer com
que adquiram também aquelas normas que a sociedade, de modo democrático e
visando à justiça, lhes deu. Dito de outro modo, a educação moral quer
colaborar com os educandos para facilitar o desenvolvimento e a formação de
todas aquelas capacidades que intervêm no juízo e na ação moral.
As escolas devem ser tomadas como “comunidades
democráticas”, onde sejam respeitadas a liberdade de expressão e a
responsabilidade argumentativa. A disciplina escolar remete às pautas de
convívio, esboçadas a partir das rotinas, das expectativas e dos valores
característicos das relações escolares, os quais balizam o que fazemos e o que
pensamos sobre o que fazemos no dia-a-dia. Uma espécie de norte e, ao mesmo
tempo, de combustível das relações – ambos deflagradores dos laços de respeito
e parceria entre alunado e agentes escolares. Daí a proposta do contrato
pedagógico.
A população, em especial, deposita fé em
escolas que incentivam a promoção da cidadania, a visão crítica da realidade e
a construção da participação social. Viver democraticamente pressupõe o livre
fluxo das ideias, independente de sua popularidade, que permite às pessoas
estarem tão bem informadas quanto possível. Acredita também na capacidade
individual e coletiva de as pessoas criarem condições de resolver problemas.
Tais posturas exigem o uso da reflexão e da análise crítica para avaliar
ideias, problemas e políticas. Em termos éticos, viver democraticamente demanda
preocupação com o bem-estar dos outros e com o “bem comum”, além de preocupação
com a dignidade e os diretos dos indíviduos e das minorias. Por essas razões,
não poderá haver democracias sustentáveis se não contarmos em escolas
orientadas para a defesa intransigente da liberdade, da dignidade, da justiça,
do respeito mútuo e demais motivos edificantes.
Sistema aberto em interação com o meio, a
escola não pode ficar imune às tensões e desequilíbrios da sociedade envolvente
e, por isso, poderá ver-se a indisciplina que atualmente perturba a vida de
muitas escolas como um reflexo dos conflitos e da violência que grassa na
sociedade em geral. As desigualdades econômicas e sociais, a crise de valores e
o conflito de gerações são alguns dos fatores que podem explicar os
desequilíbrios que afetam tanto a vida social como a vida escolar. Daí o
inegável fato de que a educação contemporânea tem produzido o domínio
disciplinar-atitudinal em detrimento do âmbito propriamente pedagógico-intelectual.
Educar é tomar partido da autonomia na luta
contra os mecanismos opressivos que tomam conta da sociedade. Lamentavelmente,
nem sempre essa força consegue superar a força centrípeta do egoísmo e nem
sempre a nação dispõe de uma força motora para o progresso. Além disto, quando
a política não é capaz de mover a nação ao progresso, a sociedade fica para
trás em pobreza, violência, desigualdade, desencanto. Face ao exposto, uma
escola sem partido lava perigosamente as mãos e, assim, comete uma série de
assassinatos, a começar pela corrosão do caráter intelectual e sensível. Fica a
pergunta no ar – escola: adaptação ou transformação social? Fazendo-se de
agentes da neutralidade ideológica, as vozes conservadores ignoram cinicamente
o abismo que separa o Brasil real do Brasil fictício. A respeito, muito tem a
colaborar as reflexões trazidas pelo jornalista Carlos Alexandre, no Correio Braziliense, de 7/6/2016: “A
cada dia que passa, torna-se evidente que a miséria brasileira não é apenas um
problema econômico. Nossa sociedade bárbara está desprovida de educação,
tolerância, respeito, cidadania, igualdade. Na ausência do Estado, prevalece o
poder das armas, do machismo, da corrupção, da intolerância, do obscurantismo”.
Conforme explica Olgadir Amancia, professora da
UnB: “o Projeto Escola sem Partido apresentado no Congresso Nacional pelo
deputado Izalci Lucas (PSDB/DF), assim como similares encaminhados em
diferentes assembleias estaduais e municipais, representa um ataque à educação,
ao pluralismo de ideias e à autonomia dos educadores. Usando o falso argumento
da ideologização da educação, da partidarização da escola, objetiva amordaçar
professores, obstruir a construção dialógica e crítica do conhecimento. Busca
impedira a escola de cumprir o seu papel constitucional de formação com vistas
‘ao pleno desenvolvimento da pessoa’ e para ‘o exercício da cidadania’, como
prevê o artigo 205 da Constituição Federal de 1988”.
Alguns retrocessos na defesa da neutralidade e
no elogio da etiqueta social encontram-se entrelaçados neste tipo de escola
distante do mérito questionador que a define radicalmente. Exemplo: “Art. 3º.
São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica
bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam
estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou
responsáveis pelos estudantes”. Contudo, a independência de
pensamento crítico é uma meta fundamental da escola. E essa meta depende, sim,
de professores que trabalham com independência.
* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
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