segunda-feira, 4 de julho de 2016

ESCOLA SEM PARTIDO

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Uma escola sem partido está muito longe de uma educação democraticamente orientada. A educação moral pode ser um âmbito de reflexo que ajude a: detectar e criticar os aspectos injustos da realidade cotidiana e das normas sociais vigentes; construir formas de vida mais justas, tanto nos âmbitos interpessoais como nos coletivos; elaborar autônoma, racional e dialogicamente princípios de valor que ajudem a julgar criticamente a realidade; conseguir que os jovens façam seus aqueles tipos de comportamentos coerentes com os princípios e normas que pessoalmente construíram; fazer com que adquiram também aquelas normas que a sociedade, de modo democrático e visando à justiça, lhes deu. Dito de outro modo, a educação moral quer colaborar com os educandos para facilitar o desenvolvimento e a formação de todas aquelas capacidades que intervêm no juízo e na ação moral.

As escolas devem ser tomadas como “comunidades democráticas”, onde sejam respeitadas a liberdade de expressão e a responsabilidade argumentativa. A disciplina escolar remete às pautas de convívio, esboçadas a partir das rotinas, das expectativas e dos valores característicos das relações escolares, os quais balizam o que fazemos e o que pensamos sobre o que fazemos no dia-a-dia. Uma espécie de norte e, ao mesmo tempo, de combustível das relações – ambos deflagradores dos laços de respeito e parceria entre alunado e agentes escolares. Daí a proposta do contrato pedagógico.

A população, em especial, deposita fé em escolas que incentivam a promoção da cidadania, a visão crítica da realidade e a construção da participação social. Viver democraticamente pressupõe o livre fluxo das ideias, independente de sua popularidade, que permite às pessoas estarem tão bem informadas quanto possível. Acredita também na capacidade individual e coletiva de as pessoas criarem condições de resolver problemas. Tais posturas exigem o uso da reflexão e da análise crítica para avaliar ideias, problemas e políticas. Em termos éticos, viver democraticamente demanda preocupação com o bem-estar dos outros e com o “bem comum”, além de preocupação com a dignidade e os diretos dos indíviduos e das minorias. Por essas razões, não poderá haver democracias sustentáveis se não contarmos em escolas orientadas para a defesa intransigente da liberdade, da dignidade, da justiça, do respeito mútuo e demais motivos edificantes.

Sistema aberto em interação com o meio, a escola não pode ficar imune às tensões e desequilíbrios da sociedade envolvente e, por isso, poderá ver-se a indisciplina que atualmente perturba a vida de muitas escolas como um reflexo dos conflitos e da violência que grassa na sociedade em geral. As desigualdades econômicas e sociais, a crise de valores e o conflito de gerações são alguns dos fatores que podem explicar os desequilíbrios que afetam tanto a vida social como a vida escolar. Daí o inegável fato de que a educação contemporânea tem produzido o domínio disciplinar-atitudinal em detrimento do âmbito propriamente pedagógico-intelectual.

Educar é tomar partido da autonomia na luta contra os mecanismos opressivos que tomam conta da sociedade. Lamentavelmente, nem sempre essa força consegue superar a força centrípeta do egoísmo e nem sempre a nação dispõe de uma força motora para o progresso. Além disto, quando a política não é capaz de mover a nação ao progresso, a sociedade fica para trás em pobreza, violência, desigualdade, desencanto. Face ao exposto, uma escola sem partido lava perigosamente as mãos e, assim, comete uma série de assassinatos, a começar pela corrosão do caráter intelectual e sensível. Fica a pergunta no ar – escola: adaptação ou transformação social? Fazendo-se de agentes da neutralidade ideológica, as vozes conservadores ignoram cinicamente o abismo que separa o Brasil real do Brasil fictício. A respeito, muito tem a colaborar as reflexões trazidas pelo jornalista Carlos Alexandre, no Correio Braziliense, de 7/6/2016: “A cada dia que passa, torna-se evidente que a miséria brasileira não é apenas um problema econômico. Nossa sociedade bárbara está desprovida de educação, tolerância, respeito, cidadania, igualdade. Na ausência do Estado, prevalece o poder das armas, do machismo, da corrupção, da intolerância, do obscurantismo”.

Conforme explica Olgadir Amancia, professora da UnB: “o Projeto Escola sem Partido apresentado no Congresso Nacional pelo deputado Izalci Lucas (PSDB/DF), assim como similares encaminhados em diferentes assembleias estaduais e municipais, representa um ataque à educação, ao pluralismo de ideias e à autonomia dos educadores. Usando o falso argumento da ideologização da educação, da partidarização da escola, objetiva amordaçar professores, obstruir a construção dialógica e crítica do conhecimento. Busca impedira a escola de cumprir o seu papel constitucional de formação com vistas ‘ao pleno desenvolvimento da pessoa’ e para ‘o exercício da cidadania’, como prevê o artigo 205 da Constituição Federal de 1988”.

Alguns retrocessos na defesa da neutralidade e no elogio da etiqueta social encontram-se entrelaçados neste tipo de escola distante do mérito questionador que a define radicalmente. Exemplo: “Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”. Contudo, a independência de pensamento crítico é uma meta fundamental da escola. E essa meta depende, sim, de professores que trabalham com independência.

* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.


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