quinta-feira, 2 de julho de 2015

CONTRA A REDUÇÃO DA MATURIDADE PARLAMENTAR

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


02 de julho de 2015. Placar da mancada: com 323 votos a favor e 155 votos contra, com duas abstenções, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a idade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Para virar lei, o texto ainda precisa ser apreciado mais uma vez na Câmara dos Deputados e, depois, ser votado em outros dois turnos no Senado. O resultado da votação mostra que o Congresso Nacional, considerando sua bancada reacionária, detesta a democracia e adora ter o chicote e o cassetete nas mãos.

Os apologistas do cárcere sempre primaram pelo agravamento das penas e pela redução da maioridade penal. São cientificamente obsoletos, mas incansáveis em matéria de autoritarismo sádico. No apagar das luzes, a Câmara dos Deputados transformou-se em uma câmara de gás nazista, seguindo à risca o Código da Violência, denunciado pelo escritor Paulo Lins, em Cidade de Deus (1997): “Falha a fala, fala a bala”. Disseram os apologistas do cárcere para a sociedade brasileira que não vão dedicar seus mandatos parlamentares a viabilizar medidas de proteção à criança e ao adolescente, conforme regulamenta o artigo 227 da Constituição Federal: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

É importante ressaltar que existe sanção para o menor, sendo denominadas medidas socioeducativas, elencadas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei 8.063/1990. As medidas socioeducativas são decorrentes de um ato infracional análogo ao crime e poderão ser as seguintes: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. A medida deverá ser aplicada pelo Juiz, observando os seguintes fatores: gravidade da infração, circunstâncias do fato e capacidade do menor infrator em cumpri-la. Devemos coletivamente concentrar nossos esforços para que o Estado tenha melhor capacidade para cumprir o disposto na legislação, implementando políticas públicas destinadas à criança e ao adolescente, assegurando-lhes o acolhimento em uma edificante rede de proteção social.

O último Censo revelou que os adolescentes brasileiros – 12 a 18 anos – somam 20 milhões. Já o número de adolescentes infratores em todo o país é de 20 mil, isto é, 0,1% da população. Destes 20 mil, pouco mais de 6 mil estão em medida de internação, ou seja, 14 mil não são atos de alta periculosidade. Enquanto existem 87 delitos graves cometidos por adultos para cada 100 mil habitantes, existem apenas 2,7 infrações graves praticadas por adolescentes para a mesma população, sendo que 70% destas infrações são roubos e não atentados contra a vida das pessoas. A diminuição da idade penal põe em risco todas as conquistas que foram feitas sobre direitos da criança e do adolescente. Como visto, o menor infrator sofre sanções chamadas medidas socioeducativas que, se cumpridas do modo previsto no ECA, pode solucionar o problema, ao contrário da equivocada redução da maioridade penal. Melhor seria se aumentássemos o investimento eficaz e eficiente em políticas públicas na área de educação, cultura, saúde e lazer, assegurando os dizeres constitucionais e cumprindo a função de Estado Democrático de Direito.

Já alertava Michel Foucault, em Vigiar e punir: história da violência nas prisões (1975): “o princípio da moderação das penas, mesmo quando se trata de castigar o inimigo do corpo social, se articula em primeiro lugar como um discurso do coração. Melhor, ele jorra como um grito do corpo que se revolta ao ver ou ao imaginar crueldades demais”. Entre o princípio contratual que rejeita o criminoso para fora da sociedade e a imagem do monstro “vomitado” pela natureza, o ressentimento de nossos tiranos engravatados, representando o exército dos revoltados, expôs, na verdade, a impotência dos “legisladores” em encontrar o fundamento racional de um cálculo penal. Com tamanha ferocidade parlamentar, o Hino Nacional Brasileiro acabou ganhando uma nova letra: 

“Vamos celebrar a estupidez humana/A estupidez de todas as nações/O meu país e sua corja de assassinos/Covardes, estupradores e ladrões/Vamos celebrar a estupidez do povo/Nossa polícia e televisão/Vamos celebrar nosso governo/E nosso Estado, que não é nação/Celebrar a juventude sem escola/As crianças mortas/Celebrar nossa desunião/Vamos celebrar Eros e Thanatos/Persephone e Hades/Vamos celebrar nossa tristeza/Vamos celebrar nossa vaidade/[...]/Vamos celebrar nossa bandeira/Nosso passado de absurdos gloriosos/Tudo o que é gratuito e feio/Tudo que é normal/Vamos cantar juntos o Hino Nacional/(A lágrima é verdadeira)/Vamos celebrar nossa saudade/E comemorar a nossa solidão/Vamos festejar a inveja/A intolerância e a incompreensão/Vamos festejar a violência/E esquecer a nossa gente/Que trabalhou honestamente a vida inteira/E agora não tem mais direito a nada/Vamos celebrar a aberração/De toda a nossa falta de bom senso/Nosso descaso por educação/Vamos celebrar o horror/De tudo isso - com festa, velório e caixão/Está tudo morto e enterrado agora/Já que também podemos celebrar/A estupidez de quem cantou esta canção” (Texto extraído da música "Perfeição", gravada pela Legião Urbana, em 1993).


* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.

Nenhum comentário:

Postar um comentário