domingo, 5 de julho de 2015

SE ENAMORA

Marcos Fabrício Lopes da Silva*


Composição de Garofalo, Monti, V. Giuffre, G. Castaldo e Edgar Poças, Se Enamora, gravada pela Turma do Balão Mágico, em disco de 1984, entra para a história da música popular brasileira pela coragem e leveza no tratamento da temática, envolvendo a educação para a sexualidade, tendo como público de alcance primeiro a criançada. Linda canção, bela letra: “Quando você chega na classe/Nem sabe/Quanta diferença que faz/E às vezes/Faço que não vejo e nem ligo/E finjo, ser distraída demais/Quantas vezes te desenhei/Mas não consigo/Ver o teu sorriso no fim/Te sigo/Caminhando pelo recreio/Quem sabe/Você tropeça em mim/Se enamora/Quem vê você chegar com tantas cores/E vê você passar perto das flores/Parece que elas querem te roubar/Se enamora/Quem vê você chegar com tantos sonhos/E os olhos tão ligados nesses sonhos/Tesouros de um amor que vai chegar/Quando toca o despertador/De manhãzinha/Me levanto e vou me arrumar/E vejo/A felicidade no espelho/Sorrindo/Claro que vou te encontrar/Fico só pensando em você/E juro/Que vou te tirar pra dançar/Um dia/Mas uma canção é tão pouco/Nem cabe/Tudo que eu quero falar/Se enamora/Quem vê você chegar com tantas cores/E vê você passar perto das flores/Parece que elas querem te roubar/Se enamora/Quem vê você chegar com tantos sonhos/E os olhos tão ligados nesses sonhos/Tesouros de um amor que vai chegar/Se enamora/E fica tão difícil/De ir embora/E às vezes escondido/A gente chora/E chora mesmo sem saber porque/Se enamora/A gente de repente/Se enamora/E sente que o amor/Chegou na hora/E agora gosto muito de você”.

Pela música, podemos acompanhar a trajetória do próprio indivíduo que, no desenvolvimento da sua existência familiar e social, percebeu o papel vital da sexualidade, como espaço e fonte de alegrias, conflitos, tristezas, esperanças. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a Sexualidade Humana como “uma energia que nos motiva para encontrar amor, contato, ternura e intimidade; que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental”. 

A Educação para a Sexualidade engloba não só a informação sexual, mas a discussão de valores do domínio socioafetivo que vão emergindo no processo de socialização que se faz através da família, da escola e de toda a rede social, valores que são veiculados de forma explícita ou implícita desde o nascimento. Ressalta-se, ainda, que a sexualidade integra componentes sensoriais e emotivo-afetivos, cognitivos e volitivos, sociais, éticos e espirituais, adquirindo o verdadeiro sentido no contexto de um projeto de vida que promova o conhecimento e a aceitação de si próprio e do outro. 

A necessidade de se falar de Educação para a Sexualidade na escola assume uma enorme relevância por várias ordens de razão. A unidade de ensino e aprendizagem precisa servir de parâmetro saudável a fim de que os estudantes possam descobrir a diferença entre sexualidade e genitalidade, além de adquirir respeito pelo próprio corpo e pela pessoa do outro. É temeroso deixar que o acesso das crianças e dos jovens à realidade sexual seja feita ao sabor do acaso, acabando muitas vezes por ser alcançada exclusivamente pelas vias da pornografia, da curiosidade mórbida, da experimentação às escondidas e das condições geralmente traumatizantes.

O zoólogo estadunidense Alfred Kinsey (1894-1956), nos livros O comportamento sexual nos homens (1948) e O comportamento sexual nas mulheres (1953), fundamentou bases importantes para a Educação Sexual ser discutida e praticada à luz de instrução e sensibilidade qualificadas. Para o professor da Universidade de Indiana (EUA), a heterossexualidade seria apenas uma opção entre múltiplas condutas sexuais: “falando em termos biológicos, não existe, na minha opinião, nenhuma relação sexual que eu considere anormal [...]. O problema é que a sociedade está condicionada por normas tradicionais para fazer crer que a atividade heterossexual dentro do casamento é a única correta e sã entre as expressões sexuais”. Kinsey difundiu a atividade sexual livre e completamente dissociada da procriação, e abominou a distinção tradicional entre homem e mulher, diferença que, para ele, não estaria determinada pelo sexo, mas sim pela cultura. Poeticamente, eleva-se esse refinado entendimento, por exemplo, na música Paula e Bebeto (1975), composta por Milton Nascimento e Caetano Veloso: “Qualquer maneira de amor vale a pena/Qualquer maneira de amor vale amar”.  

Na canção Química (1987), o músico-compositor Renato Russo questionava o modelo educacional alheio às questões afetivas e emocionais, centrando apenas suas disciplinas em formulações reflexivas de cunho mental, funcional e racionalizador: “Estou trancado em casa e não posso sair/Papai já disse, tenho que passar/Nem música eu não posso mais ouvir/E assim não posso nem me concentrar/Não saco nada de Física/Literatura ou Gramática/Só gosto de Educação Sexual/E eu odeio Química!/Não posso nem tentar me divertir/O tempo inteiro eu tenho que estudar/Fico só pensando se vou conseguir/Passar na porra do vestibular”. Na verdade, a história da construção pessoal fundamenta-se por uma alternância de momentos afetivos e cognitivos, não paralelos, mas integrados. Por isso, a escola precisa proporcionar felicidade, realização pessoal, satisfação e conhecimento, promovendo, assim, a dignidade humana, sendo que a educação para a sexualidade apresenta um papel preponderante nestes termos. Desse modo, conseguiremos reduzir a ignorância acerca da dinâmica sexual, permitir um desenvolvimento pessoal integral, melhorar as relações interpessoais, e zelar por um comportamento sexual prazeroso e construtivo. 

* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG. 

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