domingo, 27 de novembro de 2016

EDUCAÇÃO E CIÊNCIA

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

O conceito de educação está precisamente relacionado com o desenvolvimento, no sentido de cada um de nós se tornar melhor pessoa, e é revestido de uma forte componente ética e moral. Este assume também um sentido mais pleno, na medida em que estamos conscientes da nossa condição de seres perpetuamente inacabados, o que abre caminho a que o ser humano possa progredir na sua humanidade, e por isso se eduque. Os gregos usavam a palavra nous para designar a compreensão. Uma pessoa que tem o nous é a que compreende o que está a acontecer e a que faz uso do pensamento racional. Aristóteles distingue o nous teorético, aplicado aos primeiros princípios da ciência demonstrativa, a qual trata das verdades necessárias, e o nous prático que percebe as características relevantes de casos particulares, o qual trata de verdades contingentes.

O conhecimento é o somatório das informações que adquirimos, é a base daquilo que chamamos de cultura. Já a sabedoria, por outro lado, é o reflexo da vivência, na prática, quer pela experimentação, quer pela observação, da utilização dos conhecimentos previamente adquiridos. “A sabedoria é a procura de um método de vida e de ação, a construção de si próprio pela concretização das virtudes: a justiça, a prudência, a força e a temperança; a fé, a esperança e a caridade, dando acesso às três virtudes segundo Platão: o belo, o bem e o verdadeiro. Mas o sábio é também o acordado: aquele que se espanta com tudo, que desfruta tudo, aqui e agora. Para isso, é necessário dominar o tempo: encontrá-lo, pará-lo, saboreá-lo” – salienta o filósofo francês Jean Guitton, em O Livro da Sabedoria e das Virtudes Reencontradas (1999).

O questionamento é algo próprio da condição humana. Durante muitos períodos e ainda hoje o ser humano é direcionado para tudo que é externo ao eu; no entanto, a sabedoria perseguida por longos períodos está intrínseca à condição humana, fazendo-se presente no ser. Sócrates extrai do jovem geômetra Teeteto três definições de conhecimento (epistemologia): (1) a episteme como sensação; (2) a episteme como opinião verdadeira; e, (3) a episteme como opinião verdadeira acompanhada da explicação racional. Em torno destes apontamentos, Sócrates, interessado nas ciências, põe uma questão para o debate: “aprender não é tornar-se mais sábio acerca do que se aprende?”. Conhecimento traz informação, sabedoria traz transformação.

Assim abre Aristóteles uma de suas obras fundamentais, a Metafísica: “por natureza, todo homem deseja conhecer” (livro I, cap. 1). Em seguida traça a distinção entre três tipos de saber, ou talvez de etapas na busca do saber. Adaptando um pouco a terminologia, temos: (i) Conhecimento por experiência sensorial direta: restringe-se aos objetos e eventos individuais, e informa simplesmente acerca do que é. (ii) Conhecimento técnico: engloba leis gerais, mas dirige-se apenas à questão de como é. Basta, pelo menos num primeiro momento, para dirigir nossas ações. (iii) Conhecimento teórico: também de tipo geral, procura responder a questão de por que é. Esse é o domínio da ciência propriamente dita, no qual se investigam as “causas” e “princípios” dos fenômenos.

Curiosamente, foi apenas no século XX que houve um reconhecimento mais geral de que a obtenção de conhecimento universal e certo acerca dos processos naturais é um ideal que deve ser abandonado, pela inatingibilidade. Em A lógica da pesquisa científica (1955), Karl Popper sugeriu que entendêssemos o conhecimento científico não como episteme (que requer certeza), mas como doxa (opinião). O progresso da ciência seria, assim, o resultado de um processo constante de conjeturas e refutações, de substituição de hipóteses falseadas por hipóteses melhores e não falseadas, porém sempre falseáveis. Embora essa visão da ciência aparentemente rompa de forma radical com a noção original, há um elemento importante no ideal clássico que Popper procurou preservar e defender, mediante uma argumentação cerrada: o realismo. Essa posição filosófica é, em termos simples, a de que, embora falíveis, as teorias científicas devem ser entendidas como tentativas sérias, e cada vez melhores, de descrever uma realidade objetiva, ainda quando transcenda o nível dos fenômenos, ou seja, aquilo que é diretamente perceptível aos sentidos. O empreendimento científico continua, nessa perspectiva realista, dando vazão da melhor forma possível ao nosso arraigado desejo de compreender o mundo real, de descobrir como e por que funciona.

Em linhas gerais, a educação e a ciência estão relacionadas tanto na busca do desenvolvimento das potencialidades interiores do homem, cabendo ao educador apenas exteriorizá-las, como na revelação do conhecimento que o homem adquire através da experiência. Na visão dos pedagogos modernos, o processo educacional não reside apenas nas escolas, pois ela não é a única responsável pela educação. A educação tem uma dimensão maior do que propriamente ensinar e instruir, o que significa dizer que o processo educacional não se esgota com as etapas previstas na legislação. A Educação, em sentido amplo, representa tudo aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano e, no sentido estrito, representa a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades.

Educar e ser educado é saber transitar entre os terrenos da mínima convergência e da máxima divergência. Quer ver um exemplo? Pedro Bandeira, em Gente de estimação (1996), lança questões instigantes a respeito do direito de propriedade: “Há homens que acham que um elefante pertence ao seu dono e ninguém tem nada com isso. Outros acham que um elefante não deve pertencer a ninguém. Acham que o elefante deve pertencer ao próprio elefante”. Quando estamos carecas de saber, evitamos questões cabeludas. Logo, elas que melhor representam o processo capaz de nos libertar de uma condição de ignorância.

* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela UFMG. Graduando em Letras pela UnB.

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