segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O ENCANTO DA REVOLUÇÃO

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

A Revolução Cubana de 1959 derrubou um ditador corrupto, Fulgêncio Batista, que representava os interesses de uma elite local associada aos Estados Unidos. Foi, portanto, uma revolução nacionalista contra um esquema de poder clássico – o da associação do império com elites locais dependentes. Mas ocorreu no auge da Guerra Fria e, dada a rejeição radical que teve do governo americano, inconformado com a nacionalização de empresas, não demorou muito para se tornar uma revolução comunista. A Revolução Cubana foi bem-sucedida em construir uma sociedade bastante igualitária, que incluiu a universalização com boa qualidade dos cuidados de saúde e da educação, mas não logrou alcançar a fase da industrialização complexa que é necessária para o desenvolvimento econômico rápido – para o alcançamento. Ao pensar no povo cubano e em sua grande luta, não posso deixar de afirmar minha crença no desenvolvimento humano, que, porém, só será pleno se, além de democrático, for socialista; se tiver no horizonte, além da liberdade, uma suprema igualdade de condições de vida.

Para o sociólogo Florestan Fernandes, em sua obra Da guerrilha ao socialismo: a Revolução Cubana (1979), por conta desse grande acontecimento histórico, “a América Latina tem uma alternativa histórica, essa alternativa não está no capitalismo, ela não é aberta pela democracia burguesa, não é aberta pelo imperialismo, não é aberta pela internacionalização da economia capitalista, ela é aberta exatamente pelo socialismo. A via pela qual Cuba chegou ao socialismo é muito peculiar. Eu não diria, como Che, que nesse sentido a experiência de Cuba vai ser paradigmática, vai se repetir. Agora, essa revolução sim, porque esses povos não têm alternativa”. Florestan Fernandes também põe em destaque a participação de Fidel Castro no processo revolucionário cubano. E enfatiza também Che Guevara, um outro fundamental representante do espírito revolucionário. Ambos, por conseguinte, constituíram os pilares do processo que levou Cuba a romper com o poder que vem de fora: o espanhol colonizador e o norte-americano imperialista.

Foi em nome das demandas da massa de desamparados, famintos e explorados historicamente que o governo revolucionário priorizou agudas transformações sociais no campo e na cidade. Para aprofundar o processo revolucionário, fez-se urgente superar as relações mercantilizadas do passado e enfrentar as pressões e interesses contrarrevolucionários burgueses. Tal superação é viabilizada pelas Leis de Reforma Agrária, a partir de maio de 1959 e em outubro de 1963, com a estatização das propriedades rurais e a ampliação de mecanismos de promoção de qualidade de vida, no campo e na cidade. As novas orientações do planejamento central revolucionário priorizaram a industrialização do campo, o incremento das atividades de mineração e a urbanização do campo, dentre outras iniciativas. O importante era romper com o modelo de crescimento desigual presente na história cubana. Assim também foram priorizadas as políticas públicas de saúde, alimentação/nutrição e habitação, com especial atenção à educação e às políticas de geração de postos de trabalho. O analfabetismo foi praticamente erradicado em Cuba com a exitosa Campanha de Alfabetização do ano de 1961, em todo o país.

Seguindo os princípios do herói cubano José Martí, predominaria o modelo que articula o estudo com o trabalho. Graças aos esforços e cooperação, a população cubana destaca-se pelo elevado nível de escolaridade e de usufruto de serviços de saúde pautados sob a lógica da prevenção e do direito universal, com a promoção de iniciativas como o Programa de Médico da Família. Convém ressaltar que o modelo de saúde cubano nasceu ainda nos tempos da guerrilha, na Sierra Maestra, quando os camponeses eram atendidos por Che Guevara e seus companheiros profissionais de saúde. Como presidente de Cuba, Fidel Castro foi se agigantando como uma espécie de herói latino-americano: tanto como líder de revolução, quanto como líder da resistência às forças dos Estados Unidos, e sobretudo como líder de um governo comprometido com a justiça social, sem perder o vigor transformador. Não à toa Fidel Castro advertiu que “uma revolução não é um mar de rosas. É uma luta de morte entre o futuro e o passado”.

Revolucionário para alguns, tirano para outros, Fidel Castro, destemido e carismático, gabava-se por ter um “colete moral” que o protegia sempre dos ataques dos oponentes, em especial, da maior potência do mundo que não conseguiu apequenar a ilha da rebeldia, mesmo impondo a ela uma série de embargos econômicos. Reconhecendo a importância de Fidel Castro como liderança revolucionária, o renomado historiador Eric Hobsbawn, em O breve século XX: 1914-1991, chegou a ressaltar que “provavelmente nenhum líder no breve século XX, uma era cheia de figuras carismáticas em sacadas e diante de microfones, idolatradas pelas massas, teve menos ouvintes céticos ou hostis que esse homem grande, barbudo, impontual, de uniforme de combate amassado, que falava horas seguidas, partilhando seus pensamentos um tanto assistemáticos com as multidões atentas e crédulas (incluindo este escritor). Uma vez na vida, a revolução foi sentida como uma lua-de-mel coletiva”.

A morte de Fidel Castro, aos 90 anos, acontece no momento que em Cuba, o que se procura é uma alternativa que, por um lado, não recaia numa saída neoliberal, de esvaziamento do poder do Estado e de autonomia do mercado, nem, por outro, na de um socialismo estadolátrico no qual o Estado se apresenta como único espaço no qual qualquer relação social pode ser aceita. O encanto da revolução não se desmancha no ar. Sai fortalecido como uma experiência vivida e refletida por seres humanos, que não são apenas massa de manobra de um Estado personificado em uma liderança carismática, mas, sim, agentes do seu próprio destino.

* Professor das Faculdades Ascensão e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela UFMG. Graduando em Letras pela UnB.

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